2005-02-25

ao espelho

a Xis/Público jametinhadito que “Conversas com o espelho” na crónica de Faíza Hayat, de estimada predilecção

esta semana – é de sábado mas também pode chegar uns dias depois e num caso ou noutro demora-se, às vezes sabe-se lá quanto – é dedicada ao assunto do dito espelho

o tema é em si fascinante, a crónica desta vez por acaso nem tanto

fica-se à volta do narcisismo alheio – péssimo, à Michael Jackson, tão desajuízado como desfigurado ou o "por dentro e por fora" de quem não é capaz de escutar o espelho e de nele se confrontar – e próprio, este aparentemente preferível por razões de humildade face à aceitação de imperfeições e envelhecimento e à possibilidade de correcção... ai, que vamos parar a Holywood

a interrogação que um espelho proporciona é de ordem transcendental, podendo também ser prático para quem se maquilha ou aperta o nó da gravata

o que verdadeiramente fascina não é a questão do “há mais bela do que eu?” (aliás, os objectos são incapazes de tal misericórdia) mas a revelação de como os outros nos vêem, sendo que, ao vermo-nos, somos afinal um pouco outros – e é nessa distância e proximidade, ponto focal fora de nós que nos torna duplamente sujeito, observado e observador, e cria o imperativo ético face aos outros, pois afinal sabemos ou podemos saber como nos vêem - e somos também um "outro"

é um exercício a cumprir, pois, com dúvida metódica, permitindo um complemento de auto-análise, o elemento exterior acresce à introspecção e completa ou amplia o estado de consciência: à nossa frente, o espelho mostra-nos o nosso pior inimigo

uma vez, à entrada de uma escola profissional (Forino, no parque tecnológico do Lumiar, em Lisboa) estava uma legenda sob uma moldura na parede; dizia: “eis o responsável pela qualidade”

na aproximação curiosa, imaginava-se talvez um diploma de MBA em engenharia da qualidade empunhado por um sujeito trajado rigorosamente, devidamente penteado e meticulosamente barbeado

mas encontrou-se um espelho e, nele reflectido, um manga curta à Verão, de gravata mal atada, desgrenhado de cabelo e barba desaparada

uma armadilha para o visitante, de súbito identificado individualmente e de olhos nos olhos perante a responsabilidade e a má consciência dos infindáveis problemas da qualidade

tudo agravado pela figura que todos os restantes participantes na reunião iriam ver, talvez descobrindo à transparência as fartas dúvidas sobre a possibilidade, a fatalidade e o fundamentalismo da teoria e mecânica da qualidade que vigia o mundo tecnocrático

enfim, voltando à crónica: talvez não por acaso, a dita Xis tem mais à frente um artigo sobre os olhos e os olhares; outro sobre o transtorno da personalidade designado “narcisismo”; e por aí diante, dá-se a coincidência...

em vésperas, ao apelar ao regresso de Faíza da Mauritânia, para cujo deserto ameaçou partir por uns tempos, bati à porta certa de Amiga atenta e especializada em imagens que em boa hora me emprestou esta Xis

isso depois de uma preciosa e algo especiosa mensagem electrónica com uma fotografia exactamente igual à legendada com o nome da cronista, mas encontrada num vulgar banco de dados onde todos podem ir buscar imagens - de modelos ?

e com uma hipótese que pretendia assustar qualquer um: a cara da foto não tem nada a ver com o nome da cronista e a crónica até pode ser escrita por outra pessoa

em boa verdade, essa possibilidade já tinha sido prevista, por outras razões e a cara até é o menos

no entanto, a dúvida sobre a cara ou sobre a pessoa em nada afecta a ilusão e o essencial das “Conversas com o espelho”: o que interessa é a crónica

e ao olhar o espelho ou escutá-lo já somos outros e a Faíza seria sempre a do espelho, a que não existe

daí a falta de realidade a não afectar em nada, está tudo no lugar e o lugar é fantástico e gratificante !
que interessa a foto ?

mas quem faz (mais) um achado de agulha em palheiro, diz à gente e ainda empresta a revista, interessa ! !

e bem ! ! !




observacoes sao benvindas

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