2006-01-31

nevoenta


algo sebastiânica e desfocada no frio de Janeiro, a Ditosa inaugural do ano 2006 é das mais fáceis, o que não significa seja fácil ou tenha vida fácil...




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2006-01-27

Mães




a 25 de Janeiro realizou-se a 25ª Marcha das Mães da Praça de Maio, jametinhamdito que era a última...

mesmo para quem acha que não há instinto maternal, remetendo o assunto para o plano cultural, é forçoso reconhecer que haverá no futuro todas as marchas, manifestações e choradeiras que o desespero, a tenacidade e o amor são capazes de induzir no coração, nas mãos e na voz das Mães do mundo inteiro sempre que haja perigo para os filhos do mundo inteiro

sempre foi assim e a Marcha das Mães de Maio viverá mais que Matusalém !

oxalá fosse mesmo a última ...



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2006-01-24

com fusão

com efeitos a partir de hoje, 23 de Janeiro de 2006, é extinta e criada a Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico Pedro Nunes, data da publicação da Portaria nº 79/2006, no ilustre e oficial Diário da República, 1ª Série-B

é também extinta a Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico Machado de Castro, com fusão na Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico Pedro Nunes, para onde passam a totalidade dos respectivos alunos e os professores que lá couberem

o Pedro Nunes, ex-Liceu Normal de Pedro Nunes, à Av. Álvares Cabral, em Lisboa, é uma escola com pergaminhos

honra seja também feita à ex-Escola Industrial Machado de Castro, que em tempos teve o seu percurso próprio privilegiando a orientação prática e para as tecnologias

oxalá o novo modelo vingue e seja útil à comunidade e à educação, justificado pela optimização da gestão pedagógica e dos recursos humanos, físicos e materiais (estranha classificação, a que distingue os recursos físicos dos materiais…respeitará à dicotomia instalações e equipamentos?) no âmbito das políticas de reordenamento da rede escolar para a qualidade educativa

fica por explicar a fundamentação da medida, para além da integração na mesma área pedagógica, embora se depreenda e compreenda que a evolução dos respectivos projectos educativos se harmonizou ou pode harmonizar

jametinhamdito que a optimização é sempre óptima, a harmonia também harmoniza e o casamento entre vizinhos pode bem estender-se a liceus contíguos, pesem embora as cotas diferenciadas na origem de bastante animação, muitos sustos e alguns danos quando voavam pedras por sobre os altos muros, com ou sem aviso, safa...

oxalá se cumpram os objectivos anunciados de desenvolvimento das boas práticas e dos bons projectos educativos




fonte: Portaria nº 79/2006 - Visa a fusão entre as Escolas Secundárias com 3º Ciclo do Ensino Básico Pedro Nunes e Machado de Castro.


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2006-01-23

à segunda

depois do domingo, a segunda...

depois da derrota de há 10 anos, Cavaco Silva foi eleito à segunda tentativa, descontando que jametinhadito "passo" na eleição intercalar do Presidente Jorge Sampaio

mas apesar da decisão à primeira volta desta eleição, o resultado eleitoral é complexo:

Sócrates venceu em toda a linha!

A sobreposição no momento da declaração de Manuel Alegre, esse sim, candidato nesta eleição, deixa no entanto transparecer algum amargo com a expressiva diferença para o candidato oficial, Mário Soares, também porque evidencia à saciedade o custo excessivo do trajecto propositado de apoio a Cavaco Silva, que tem lhe agradecer

Mas também está de parabéns e vai ser um bom Presidente, tem todas as condições para isso, apesar de ter ganho sem as favas contadas e as postas de pescada que por aí se pavoneavam... talvez por isso parecia consternado no discurso que leu no momento da confirmação do resultado...

Ao menos durante os próximos 10 anos não haverá que pensar no assunto, apesar das pressões naturais para o reforço dos poderes do (deste!) Presidente e de outras aspirações acalentadas desde Sá Carneiro para se completar a partir da última premissa o esquema "uma maioria, um governo, um Presidente" que a direita nunca conseguiu em democracia!!!

Oxalá nem isso impeça o sonho a quem ainda tem essa capacidade...



PS - esta eleição encerra um ciclo, acabam de vez o 25 de Abril, a invocação da liberdade e a reivindicação da solidariedade!

na próxima, previsivelmente daqui a três anos e meio, já restarão poucos personagens interessados em tal bandeira, que encheria de ridículo e exotismo quem a lembrasse, já gasta, esquecida e substituída pela competitividade, liberalização ou conceitos afins; de todo o modo mesmo nesta campanha já estava praticamente fora do discurso político não fora a proposta de contrato presidencial, a voz e os valores que auguraram o apoio de muitos cidadãos a Manuel Alegre!

valente bem haja para tais cidadãos, bem como para o entusiasmo e a fraternidade que ofereceram a uma candidatura especial que se revelou afectuosa, oportuna e livre!!!


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2006-01-22

domingo

Num domingo em que passaste na minha rua e os prédios se afastaram para que me raptasses por cima das árvores

Na límpida tarde orlada
por minhas pestanas imóveis
tua aparição abre uma estrada
de damasco por entre os automóveis.

Apareces e lgo adquires
em minha eclípica visual
a lassidão equinocial
que espalha a cor na minha íris.

Apareces como o começo
de qualquer coisa interminável
de tão importante é tão frágil
teu vulto que nem estremeço.

Apareces como se gentil-
mente viesses para apanhar um trevo
e o domingo almofada anil
cede à tendência do teu perfil
de ficares num baixo-relevo.


Natália Correia




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2006-01-21

Vasco Santos

há dias o Ditos referenciou o novo Diário de Notícias e o esforço de mudança evidenciado no novo formato e no novo estilo

na economia de um post de blog, digo de um apontamento, foram omitidos aspectos vários, de importância vária e vário grau de urgência, admitindo-se que eventualmente, na passada de futuras leituras, outras referências fossem oportunas... ou esquecidas na espuma dos dias...

porém, um dos aspectos em que se reparou foi a transferência do tradicional problema e breve crónica de xadrez para lugar mais apropriado, arejado e organizado, fora dos anúncios classificados onde estava escondido (e por vezes ia fora... junto com a água do banho...) e passando arrumadamente para junto ao lazer, à direita do bridge e das palavras cruzadas, na página da meteorologia e, de aleatoriedade afim, dos inúmeros números de diversa sorte de totolotos, entre a programação das televisões e a dos teatros, exposições e farmácias

e ao arrependimento da omissão pesava a falta de homenagem a Vasco Santos, xadrezista, jornalista e jornalista-xadrezista que durante anos nos deliciou, divertiu e instruiu com a sua crónica magnífica de xadrez, com a crítica, a notícia, a memória, a lição, a pesquisa, a inventiva, a imaginação, a diversão, incentivo e o desafio desportivo e intelectual de que só é capaz um grande e verdadeiro Mestre

porque já desde há muito, desde a sua substituição enquanto cronista de xadrez do DN, impunha-se propor ao jornal a útil e justa edição de uma selecção das suas crónicas e problemas de xadrez

poucos dias corridos e antes de voltar ao tema, o próprio DN deu conta do falecimento do Mestre Vasco Santos, amigo de sempre e de todos, pai extremoso, pedagogo incansável, generoso e disponível, bom organizador e dinamizador de torneios e iniciativas, campeão precoce e veterano, ex-jornalista, ex-seccionista de xadrez do Benfica onde muitos jovens e não só aprenderam a jogar e a estudar xadrez mas também a conviver e a competir, a entreter-se e a progredir, a treinar e a disputar, a descobrir e a evoluir muito para além das regras, da arte e do jogo do xadrez, a crescer para a própria vida

o actual cronista de xadrez do DN, António Pereira dos Santos, também de uma Família de Mestres xadrezistas, dedicou-lhe sentida e justa homenagem na primeira oportunidade e na sua muito interessante crónica de xadrez

talvez seja a hora de passar à prática a sugestão de edição de um livro de crónicas de homenagem a Vasco Santos, retribuindo condignamente o quanto Vasco Santos honrou o Diário de Notícias



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2006-01-19

Preâmbulo

a Constituição da República Portuguesa tem muitos artigos e disposições, conferindo direitos, atribuindo deveres, estabelecendo normas organizatórias, impondo preceitos programáticos, estipulando princípios fundamentais, regulando procedimentos, disciplinando relacionamentos, prevendo regras gerais, especiais e excepcionais, instituindo órgãos de soberania e o modo de designação dos respectivos titulares, estatuindo a irrenunciável soberania do povo

e tem um Preâmbulo

a redacção dos artigos tem sido alterada, aqui e ali, umas vezes quase cirurgicamente para curar sem ferir, outras mais extensa ou sofregamente, chegando a descaracterizar algo do conteúdo inicial, boas vezes modernizando-a em adequada actualização

mas o Preâmbulo mantém-se o original

certamente escrito por poetas, o Preâmbulo da Constituição da República Portuguesa jametinhadito:

...

"A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno."

Manuel Alegre e Sophia de Melo Breyner sabiam o que estavam a escrever

bem hajam por nos apontarem o caminho

oxalá o saibamos reconhecer e percorrer aproveitando a sua claridade



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Alfarrobeira?

Num artigo no Público, Eduardo Lourenço avalia o “tempo de Soares” face ao mundo actualmente bem diferente do que constituiu o labor político da vida de Mário Soares.

E refere-se angustiado à divisão da esquerda na actual campanha para a eleição presidencial, comparando os seus possíveis efeitos aos da trágica e tristemente célebre Batalha de Alfarrobeira.

Mas não conta com o impossível que o realismo dos poetas e a aspiração de muitos cidadãos exige: a escolha do Presidente da República pode ser à segunda volta!

Nesse caso, como se espera que muito boa gente espere, a esquerda só poderá unir-se e reforçar-se; assim cairá a hipótese inteligente de Eduardo Lourenço, tributária de grande apreço e interpretável legitimamente como expressão de desencanto e inevitabilidade, perda e lamento, desespero na busca da dignidade que os apoiantes de Mário Soares bem merecem e o próprio bem carece no seu estertor contra si próprio e contra o facto inexorável de já não haver o tempo de Mário Soares.

E não é uma questão de idade, pelo contrário, aparenta bem, demonstra vitalidade, fôlego e persistência, tem uma vida dedicada ao combate político e não parece esmorecer na tenacidade; é mesmo o tempo, bem como a realidade e as circunstâncias, que lhe fogem e de que ele, porventura sem o perceber, também foge e se afasta, serôdio, ao agarrar-se ao lado mais sinistro, interesseiro e caciqueiro de uma máquina partidária a que já não pertence, que já não lhe pertence e que não lhe pagará favores como ele bem reclama à boca do cofre eleitoral.

E tem toda a responsabilidade nisso, a vários títulos: foi governante e presidente, teve as mais altas responsabilidades do Estado e do PS, sem ter contribuído como devia para a desejável e necessária renovação, de ideias, de pessoas e de métodos; as ideias recusam-se a comparecer - nem o PS consegue descortinar as razões que a razão desconhece para o apoiar; os métodos são os mesmos da perseguição e marginalização dos que têm ideias próprias e pensam pela própria cabeça; quanto às pessoas já se vê, pelo seu próprio exemplo enquanto candidato oficial de quarta escolha do PS: quem foi o homem novo que ele e os demais responsáveis do Estado e do PS prepararam e ajudaram a afirmar-se para oferecer à esquerda e ao país a merecida renovação? nenhum coelho saiu de tal cartola, tiveram que usar o porco espinho, veja-se bem a adesão que consegue e a desunião que a sua propositura pelo PS causou à esquerda, onde nenhum candidato desiste apesar do franco (mas de duvidoso espírito democrático) apelo feito pelos mais altos responsáveis do PS!

E porquê a referência a Alfarrobeira? é de facto genial a lucidez de Eduardo Lourenço, de uma clareza exemplar - a divisão da esquerda, juntamente com a pobreza das respectivas propostas partidárias e falta de apoio institucional da única candidatura sem apoio partidário (de um cidadão, como manda a Constituição) acalenta a ideia de que a união à direita pode fazer a força de uma dinâmica vitoriosa!

É um conceito de leitura complexa e parte do pressuposto, psicológica e sociologicamente fundamentado, de que muitas pessoas preferem votar no candidato vencedor a experimentar estar do lado errado dos sucessos da política durante todo um ciclo, sabendo que a política é hoje implacável para com os perdedores, negando-lhes acesso a lugares e bem estares, tal como antes na guerra se eliminava ou escravizava os vencidos; por isso muitos eleitores sacrificam as suas convicções ou sequer a reflectir o suficiente para determiná-las com fundamento, optando por votar cínica mas pragmaticamente no candidato que antecipam como vencedor.

Por esta via, a divisão da esquerda pode fazer a esquerda perder ou perder-se.

É este o caminho que leva Eduardo Lourenço a Alfarrobeira - e Medeiros Ferreira, no seu artigo no DN, nada entendeu, esvaziando e confundindo como muitos a construção culta e hábil de um nosso grande pensador.

Quais luzes de D. Pedro? não era a isso que se referia Eduardo Lourenço!

Era a própria noção de autodestruição, sem tomar partido na antiga batalha nem equiparar - oh horror - qualquer dos intervenientes a nenhum dos actuais candidatos; também Medeiros Ferreira está perdido no tempo: como é possível comparar Mário Soares ao antigo regente afastado, diabolizado e trucidado pelo seu sobrinho e genro, depois que assumiu o poder o Rei D. Afonso V ?

E se fosse possível, que utilidade teria ? os conceitos civilizacionais (de que os dois contendores eram portadores, representantes ou vítimas) que então se degladiavam não servem de comparação ao mundo, aos dilemas e aos problemas de hoje... e como é que isso se encaixaria, apenas por raciocínio, numa eleição com seis candidatos? Soares é apoiado por um forte aparelho partidário, pelo partido que está no poder, usando e abusando da máquina, das armas e de figuras do Partido, do Governo e do Estado, beneficiando de meios avultados logísticos e financeiros - o infante D. Pedro estava dessapossado e, pelo contrário, era o Rei que detinha o poder, os meios e as armas.

Que raio de comparação, mero lapso ou monumento à ignorância e à ligeireza na utilização da bandeira inimiga pode resistir a um mínimo de análise, caso a mereça por parte de algum exegeta mais dedicado à pedagogia que a perder tempo com a política de tais políticos argumentadeiros, mais papistas que o Papa, como Medeiros Ferreira ao tentar por na boca de Eduardo Lourenço o que este inteligentemente não disse nem quis dizer.

De todo o modo, quer o bom argumento e excelente raciocínio de Eduardo Lourenço quer o azarado dislate do glosador incidental falham na explicação do actual estado da campanha presidencial - e oxalá não se concretize o mau agoiro de nova Alfarrobeira do país ou da esquerda.

Na realidade, a candidatura de Manuel Alegre vai ganhando adeptos e entusiastas na proporção com que Cavaco Silva perde a tal dinâmica a olhos vistos todos os dias.

E as pessoas vão a pouco e pouco lembrando que ainda estão a pagar segunda e terceira vez as auto-estradas de duas faixas inauguradas na véspera de cada eleição e logo refeitas e depois alargadas com que Cavaco Silva desperdiçou as fortunas que Portugal recebeu da Comunidade Europeia durante os seus Governos, era Mário Soares Presidente. E essa memória faz pensar melhor, se calhar não basta dar o voto ao mais presumido que presumível vencedor antecipado.

Talvez estejamos perto de uma dimensão de retorno dos pragmáticos cínicos à realidade da escolha racional e afectiva do melhor candidato - se os tais eleitores (e são muitos) que se colocam sistematicamente do lado que antecipam como vencedor (e só por isso votam nele) começam a hesitar ou mesmo a perceber que Cavaco Silva pode não ganhar, então dedicar-se-ão genuinamente à escolha do seu candidato preferido, repartindo-se por outros ou pelos vários candidatos, esvaindo-se afinal a dinâmica de vitória do candidato inicialmente percebido como vencedor.

Quebrada essa barreira, Cavaco Silva poderá ser deixado à sua sorte na segunda volta.

E aí renasce o sonho e enterram-se as Alfarrobeiras!!!

Pois numa segunda volta toda a esquerda apoiará Manuel Alegre, que eventualmente passará a contar também com os tais votantes sistemáticos no possível vencedor - volta-se o bico ao prego!!!

É na semente do sonho que estamos hoje!!!

Como não pode ser maior, Portugal tem que ser melhor: mais livre, justo e fraterno!

Vamos pregar um Alegre susto ao Cavaco?

E mudar Portugal !!!




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Anexo: os textos sob comentário
(não tive tempo de o fazer mais sintético nem de encontrar os links)


O tempo de Mário Soares, por Eduardo Lourenço (excertos),

«A campanha eleitoral não tem sido exactamente aquele torneio político exemplar que alguns idealistas impenitentes sonharam. Faltou-lhe paixão e sobraram escusadas flechas em forma de boomerang. [...] Trazer para esta sociedade, mais do que nunca sociedade de espectáculo, o eco da antiga paixão portuguesa, quer a recalcada do antigo regime, quer a exaltada e exaltante das duas décadas após Abril, era uma aposta arriscada, para muitos perdida e, em todo o caso, objectivamente quixotesca. Filho desses dois tempos, de que foi actor político precoce e, depois, personagem histórico, Mário Soares ousou trazer de novo para uma arena pública, já longe desses tempos turbulentos, essa antiga paixão política, sem querer saber se estaria ou não fora de estação. Passada a surpresa, esta audácia quase juvenil do antigo Presidente da República foi recebida com cepticismo por muitos, com sarcasmo por outros e, sobretudo, como uma ocasião inesperada para ajustar contas antigas e menos antigas com o homem que, melhor do que ninguém, de entre os activos, se identificou e é identificado com a Revolução de Abril e, em particular, com o tipo de democracia que ela instaurou em Portugal. [...] O mundo é que não é exactamente o mesmo mundo onde essa aventura pessoal e transpessoal foi possível. E esse mundo tinha de mudar, não o homem Mário Soares, mas a imagem dele no espelho alheio. O mesmo homem que, em tempos, passou entre nós como “o amigo americano” quando isso significava que o destino da nossa frágil democracia implicava alinhamento com a primeira das democracias ocidentais, aparece, hoje, aos olhos dos que têm interesse em cultivar essa vinha, como “antiamericano”, o que é, naturalmente, ainda mais simplista do que a antiga etiqueta. A única verdade desta valsa ideológico-mediática é clara: o antigo mundo que foi, durante décadas, o do horizonte da luta política de Mário Soares, funciona em termos de repoussoir — e Mário Soares, mais fiel aos seus ideais de sempre do que se diz, aparece, em fim de percurso, mais à “esquerda” do que nunca o foi. [...] Este tempo de Mário Soares não é apenas o tempo de Mário Soares. É o de várias gerações que, como ele, num mundo então histórica, ideológica e culturalmente dividido entre “direita” e “esquerda”, não apenas no Ocidente mas à escala planetária, escolheu um campo, numa época em que não escolher era ficar fora, não apenas do combate político, mas do combate da vida. É inócuo e só na aparência, prova de imaginária lucidez, pensar que esse comportamento releva de uma versão simplista e maniqueísta do mundo. Essa era a textura do mundo e da história que nos coube viver e só quem pretende viver fora deles se imagina sobrevoá-los como os anjos. É uma bela aposta a de Mário Soares, perdida ou ganha. Com a sua carga romanesca e a sua trama paradoxal. Mário Soares não é — nem a título histórico, nem ideológico — toda a esquerda portuguesa, mas nunca foi mais representativo dela, da sua utopia e das suas inevitáveis miragens, do que hoje, quando, aos oitenta anos, se apresenta como alguém, dentro dessa escolha, susceptível de incarnar ainda, melhor do que ninguém, essa velha aposta que entre nós nasceu com Antero e teve em António Sérgio, entre outros, as suas referências culturais, infelizmente mais vividas com sugestões poéticas do que propriamente políticas. Dizem-me que os dados há muito estão lançados e mesmo que os jogos estão feitos. Não o duvido. [...] Os seus adversários neste combate inglório e soberbo foram sempre outros. Não só os que se lembram do seu militantismo juvenil, como os que não esquecem a sua conversão definitiva ao socialismo democrático, mas, sobretudo, os que nunca lhe perdoaram o ter lutado pela democracia em Portugal, antes e depois de Abril. É isso que a verdadeira direita não esquece. É muito mais gente do que se supõe. É a mesma que põe na sua conta, como uma mancha indelével, a absurda culpa de ter “perdido” uma África que ninguém “perdeu” senão ela. [...] A esquerda não o traiu, nem ele se traiu nela. O drama é que essa esquerda de que pela última vez se faz paladino é, ao mesmo tempo, uma realidade — embora ideologicamente recente — e uma quimera. O problema da esquerda nunca foi a direita [...] mas a esquerda mesmo como pura transparência da história. A esquerda, sendo em intenção mais virtuosa, não é menos opaca, no seu angelismo imaginário, que a mais obtusa direita. Sobretudo quando não se dá conta disso. Em alegoria caseira, estas nossas eleições tão consensualmente democráticas, ilustraram com suavidade à portuguesa esta fatalidade. O combate no interior da nossa suicidária esquerda foi, à sua maneira incruenta, uma espécie de Alfarrobeira política. Talvez algum cronista, no futuro se inspire nela para nosso ensino inútil. Ou um poeta. Mas não terá Mário Soares.»

Eduardo Lourenço desvenda , por Medeiros Ferreira
Histórico artigo, o de Eduardo Lourenço hoje no Público. A Alfarrobeira política para onde a esquerda caminha em losango permeável só será evitável se o eleitorado a salvar. Escusado dizer que quem personifica as luzes que o infante D. Pedro transportava para Portugal é, hoje mais do que nunca, Mário Soares. Como escreve Eduardo Lourenço Mário Soares nunca esteve tanto ao serviço da esquerda. E houve quem quisesse perturbar e ocultar isso com palavras e obras.
Mas a mais sonora palavra será a dos votantes.

2006-01-17

cor presidencial

a Visão, de quinta-feira passada, endereça aos seis candidatos presidenciais um conjunto de perguntas de carácter pessoal, à guisa de tirar nabos da púcara, como fazemos quando auscultamos da sinceridade de alguém, da seriedade de um depoente, da credibilidade do interlocutor

na verdade, mais do que os conhecimentos especializados de cada um, aspecto que poderá relevar para outro tipo de cargo e função, importa sobremaneira apurar o carácter, a hombridade, as escolhas pessoais dos candidatos à magistratura presidencial

também ontem à noite num debate televisivo jametinhamdito que as questões essenciais a resolver para formar uma decisão deveriam ser quanto ao tipo de pessoa que queremos ver na Presidência da República: alguém a quem confiaríamos a gestão da nossa fortuna ? ou alguém a quem confiaríamos a educação de um filho ?

das perguntas da Visão retive a da cor preferida dos candidatos: é pura questão de gosto, estado de alma e forma de expressão, todas as respostas são legítimas, aceitávis e correctas, gostemos ou não!!!

mas da forma de responder de cada um podemos retirar qualidades e graus de frontalidade ou manobras de diversão, espontaneidade ou deliberação, genuinidade ou preparação, sinceridade ou representação, simplicidade, complexidade ou sofisticação, enfim, muito do que precisamos saber para identificarmos ou não um candidadto com as nossas convicções - e, talvez, tomar uma decisão confortados ou contrafeitos, o que faz toda a diefrença e nos pode confirmar, infirmar ou quem sabe mudar de opinião

vejamos as respostas à Visão

- Cavaco Silva não responde - a recusa de mostrar o que sente ou pensa é extremamente esclarecedora da disponibilidade de um candidadto em dar-se a conhecer e este esconde-se; também não responde a mais nenhuma das perguntas tal como durante a campanha evitou o debate e o esclarecimento, sabe-se bem porquê

- Mário Soares - "Não uma, mas duas: o vermelho e o verde da bandeira portuguesa." - trata-se obviamente de uma resposta politicamente correcta, à procura de identifcação com um símbolo nacional mais do que exprimir sinceramente a cor da preferencia, afinal até são duas e logo quais; a resposta é a mais complicada de todas, de entre os candidatos que respondem e afinal a pergunta é bem simples; nas demais respostas Mário Soares tem invariavelmente o mesmo tipo de resposta, longa, politicamente correcta para tudo abranger e representar, com opões múltiplas e explicações várias; muitas respostas são exactamente a de que as respostas são várias, tornando-se de difícil definição a verdadeira escolha do candidato

Manuel Alegre - "O azul do mar." - há uma cor preferida, o azul, tão legítima e ideal como qualquer outra, mas relacionada com a realidade do mar, uma ligação à natureza e à poesia - dizia Fernando Pessoa que apesar dos perigos do mar, afinal foi nele que Deus espelhou o céu

Jerónimo de Sousa - "Vermelho." - franco ou interesseiro na cor partidária, certo é que é uma resposta directa de um comunista no seu reduto e está tudo dito

Francisco Louçã - "Como o testamento de Vieira da Silva: um azul de cera para voar alto, um azul cobalto para a felicidade." - também escolhe a cor azul e a poesia mas é sem dúvida uma resposta idealista, recorrendo a conceitos subjectivos, abstractos e irrealizáveis para justificar a sua preferência; é de facto assim que se podem ler muitas das respostas e propostas de Francisco Louça: palavrosa, sonhadora mas utópica

Garcia Pereira - "Azul-marinho." - ainda azul, mas correspondendo a um conceito pre-definido de uma tonalidade de cor; de facto, à sua centésima candidatura, Garcia Pereira apresentou-se desta vez com uma linguagem simples e eficaz, à beira da sensatez, o que até pode parecer bizarro para o líder do MRPP; e já não nos lembramos do significado da sigla nem sabemos o primeiro nome do candidato, o que é pena e revela o carácter residual e pessoalíssimo da iniciativa da sua candidatura, a única com a honestidade de reconhecer que não pode vencer e com o mérito de exprimir quem apoiará numa segunda volta: Manuel Alegre

apenas mais um apontamento destas respostas: perguntados se há circunstância em que um político possa licitamente mentir, além da contumaz omissão de Cavaco Silva, os demais dizem que não, com a excepção de Manuel Alegre, que responde com uma condição, a do preso político que luta contra a ditadura

Mário Soares tem novamente a resposta mais complicad e ilegível, Jerónimo de Sousa afirma defender o princípio da verdade e não vê excepções, Francisco Louça na sua certeza positivista apressa-se a dizer peremptoriamente que não, Garcia Pereira disserta sobre o conceito técnico-político-jurídico e conclui (próximo de Mário Soares) que pode haver circunstâncias que justifiquem não falar sobre certo assunto - ora, a pergunta era precisamente para cada qual dizer qual ou quais as circunstâncias pelo que são tolas ou falaciosas as respostas que dizem que há ou pode haver circunstâncias...

e o único que responde com uma concreta ligação à realidade é Manuel Alegre, identificando claramente uma circunstância determinada: um político sob a prisão de um ditador ou sob tortura pode licitamente mentir, exactamente porque é preciso agir e resistir para combater a tirania ou para proteger outro cidadão injustamente preso ou torturado

é certo que fica muito bem rodear as questões com respostas politicamente correctas, respeitando os ditames do marketing político, a ditadura de hoje

mas como jametinhadito o poema do vento que passa, mesmo em tempos de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não

cada um que escolha

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2006-01-16

Clara, volta que estás perdoada


sobre o artigo inaugural da colaboração de Clara Pinto Correia com um jornal tablóide, alguém a quem muito prezo jametinhadito que é um grande descaramento!

e tem muita razão mas há vida para além da razão!!

é que a vida continua, causa perplexidade as voltas que dá mas a vida continua!!!

comecei por admirar muito a Clara Pinto Correia, aproveitava a vida e o esplendor das potencialidades de uma jovem inteligente como era, abraçava causas de que já altura muitos jovens desdenhavam, realizava projectos, tinha ideias e concretizava-as, escreveu, escreveu, escreveu, muitas vezes escolhendo temas difíceis, sensíveis, longe de pacíficos, não cedeu ao marketing nem ao espírito comercial que muitos jovens (e não só...) de sucesso são tentados a seguir

entrentanto, prosseguiu os seus estudos e depois a sua profissão, especializou-se em embriologia, a biologia da reprodução, aprendeu e ensinou muito sobre genética, fecundação, os mecanismos da vida - e tinha duas vidas, investigava e publicava na área científica que a apaixonou, além de manter uma torrente impressionante de colaborações em televisões, revistas e jornais, intervenções cívicas e políticas, casou, divorciou-se, emigrou, continuou a escrever romances, a divulgar ciência, tudo, muito, muito, muito, obsessivo mesmo

às tantas, detectei-lhe algum egocentrismo, crescente, depois ostensivo, perto de narcisismo (?)

e veio a lume a adopção das suas crianças, o excessivo desvelo, as tremendistas preocupações, a ânsia de fazer tudo bem, bem demais, estranhamente bem demais

finalmente a chave: seguiu os estudos e a profissão em direcção a uma fragildade intrínseca, uma grande infelicidade, porventura mal resolvida - Clara, a força da natureza, a fortaleza em pessoa, a perseguidora da perfeição, não pode ter filhos

é em alturas destas que precisamos mesmo de apoio, compreensão e companhia à altura, para se conseguir superar aquilo que parece uma grande fatalidade mas afinal, se soubermos lidar com o assunto, pode ser encarado como apenas uma circunstância, daquelas perante a qual só nos resta reconhecer que ... a vida continua

agora está (parece) mais forte, mais humana, falível, engordou um pouco, apessoou-se, é uma mulher de plenos projectos e realizações, plena de cidadania, de activa voz cívica, tentando merecidamente estar de bem com a vida, como tantos de nós

o facto de aceitar escrever para um pasquim sem abdicar de na primeira oportunidade o caracterizar com todas as letras como tal revela bem a lucidez de que é portadora, a capacidade de intervir sem concessões, o legítimo e genuino interesse em participar e em partilhar

da colaboração com o Tal e Qual, 24 horas ou lá o que é, haverá certamente benefícios consideráveis para os respectivos leitores

e, porque não, oxalá que também para Clara Pinto Correia, para que encontre o seu lugar no mundo, no seu mundo, no nosso mundo !!!



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Primavera em Santiago

o Chile escolheu Michele Bachelet para Presidente

filha de um resistente à ditadura sanguinária que choveu em Santiago, sofreu e denunciou a humilhação da tortura

agora, apresenta-se de cara erguida com a legitimidade do voto popular

oxalá faça florir o seu país e ajude a consolidar as democracias sul americanas

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2006-01-09

Notícias em mudança

à jornal, seria: DN aumenta

ou então: DN encolhe

mas efim, a ética rebloguicana exige outro comportamento: o DN mudou

aumentou de preço, encolheu o tamanho, alterou o grafismo, a aparência, a estética, a organização e o aprofundamento da informação, adoptou um subtítulo (eh lecas, o Diário de Portugal, nada menos) e renovou o contrato com os leitores

digamos que fica água na boca para a nova revista de sexta-feira, bem como para a NS e a NM (sábado e domingo) e para o site (www.dn.pt)

as mudanças vêm muito bem explicadas num encarte específico do jornal de hoje, 9 de Janeiro de 2006, bem elaborado com as setas indicativas do sentido e objectivos das mudanças, centrado em duas ideias chave – o leitor e a utilidade – adequadamente desenvolvidas e complementadas por conceitos típicos da comunicação social (credibilidade, distanciamento crítico dos poderes) e da gestão empresarial – rigor, fidelidade, exigência

o dito caderninho desenvolve mesmo o editorial do próprio jornal e acrescenta valor com sintéticos mas suculentos apontamentos de currículum vitae dos profissionais do DN e com depoimentos de personalidades da política, da cultura, da sociedade, da ciência, da economia, do empresariado, os mais deles encomiásticos mas alguns menos ou nada - v.g., curiosamente, o de Paulo Azevedo, dono do concorrente Público, que declara simplesmente que não tem hábito de ler o DN

mais uma prova de isenção de António José Teixeira, preconizando-se que continue profissionalmente em Altitude e a fazer jus aos pergaminhos do saudoso Diário de Lisboa

este post já vai longo mas ainda a tempo de comparar com a mudança anunciada na revista do Expresso, com um prévio editorial a desancar nas rubricas a eliminar na edição seguinte – lamentável, mas eficaz para quem preza a vindicta e esquece o leitor, entendido como massa abstracta, pagante e adquirida

o Ditos ainda não pode comprovar o alcance real das mudanças do Expresso, pelo que continua de quarentena como desde o ínvio afastamento de João Carreira Bom – e qual foi o crime ? porque jametinhadito umas verdades sobre a SIC que custaram a ouvir ao proprietário do ... Expresso!

agora mudou o Director que fez o frete, oxalá a nova equipa tenha a hombridade de homenagear ou ao menos fazer justiça a João Carreira Bom

e por falar em justiça, em hombridade e em jornalista, fica também aqui a devida vénia a Cáceres Monteiro, repórter inteiro que nos deixou e que deixa saudade, vai para treze anos depois de lhe ter visto o entusiasmo e a temperança no lançamento da hoje consagrada Visão




observacoes sao bem vindas

2006-01-03

condutas baixas

os finais de ano, talvez os finais de ciclo, são propícios a algumas atribulações, já o sabemos, esperamos sempre que não sejam convulsões e que o novo ano ou o princípio do novo ciclo tragam de volta a serenidade necessária

como jametinhadito quem sabe, é preciso calma, calma e calma !!!

de entre os habituais pedidos arrevezados de finais de ano - por assuntos que calham mesmo nestas alturas, parece que amadurecem e não podem passar para o ano seguinte, é sempre assim - um houve que me levou às catacumbas dos arquivos, zona só raramente frequentada, tem que se pedir as chaves, rever os trajectos até aos compartimentos, armários e pastas, descer várias caves, recuperar velhos planos de arquivo, antigas classificações documentais, quase o mapa do tesouro, percorrer corredores esconsos, descobrir outra vez os caminhos, reler velharias, distinguir entre cópias, originais,
e cópias de cópias ou outras mais, microfilmes de sais, eteceteras e tais

damos com papéis de que não nos lembrávamos já, dantes é que se arquivava bem, era a boa arrumação, um papel era um papel, sim senhor, tudo bem tratado, anotações relevantes, marcadores nas cláusulas mais importantes ou mais procuradas de determinados contratos ou documentos, um prazer de ver escritos nossos ou de alguém conhecido, já no mundo selecto das antiguidades de arquivo, das velharias documentais

eureka se encontramos o desejado documento, contrato, normativo, despacho, memorando, informação, nota, ordem, resolução, comunicação, guia (hi, quem se lembra das guias de remessa???), registo, aviso, protocolo, dossier, arquivador, bobine, tableau de bord (ena, tableau de bord...), instrução, manual, ofício, acta, declaração, pública forma, requerimento, enfim...

antigamente era assim!

não havia e-mail, nem search, nem find, nem blitz, era mesmo indispensável saber classificar, arquivar, anotar, marcar, copiar, guardar, indexar, saber do que se estava a tratar

depois voltar a fechar tudo, olhar para aqueles recantos e desejar ter mais umas horas para dar uma vista de olhos em certas coisas, quem sabe um dia, com mais tempo, por instantes esquecendo que quando houver que lá voltar será novamente em altura inconveniente, véspera de férias, dia feriado, último dia do prazo, emergência, inquérito, mudança de pelouro, nova administração, inspecção, auditoria, pedido de segunda via, pagamento urgente, acção judicial...

nos caminhos de regresso, com o dia perdido na poeira dos papéis e ganho no precioso documento finalmente achado, dei subitamente com os olhos num aviso implacável, a vermelho: atenção, condutas baixas

cuidados redobrados, pois, nos arquivos das caves os tectos são mais baixos que o habitual e as canalizações estão à vista, angulosas, esquinadas e perigosas, ameaçando a integridade de incautos pesquisadores, circundantes ocasionais, absortos, perdidos ou distraídos

na verdade, pode ser fatal uma cabeçada naqueles ferros, tubos e redes

daí o alerta decisivo: condutas baixas

nem sempre disso somos prevenidos!

ou não damos por isso...



observacoes sao bem vindas