2011-07-05

por quem horas


maltrapilho e sujo, cabelo desgrenhado e roupa em desalinho, facies sofrido e magro, dirigiu-se ao transeunte em palavras e gestos enrolados

o transeunte esquivou-se, inflectindo o caminhar tranquilo e absorto, rodeando o perguntante em modo observador distante e impulso negativo, num olhar desculpe não pode ser de quem sabe que vai seguir caminho e pronto, passos adiante e novo perscrutar em passos retorcidos

mas... o interlocutor estancou, a incredulidade na hirta barba e nos dentes falhos mas sobretudo nos olhos infinitos que voltaram ao relógio refugiado nas mãos, agora via-se, analógico e dourado, despulseirado e redondo

ah... era então as horas que pretendia saber

o transeunte volta-se novamente numa volta de corpo, finalmente em sintonia com o espírito, a descoberta e uma inquieta consciência, no instante simultâneo em que rogante rearma o volteio e recomeça a andar

costas com costas, cabisbaixos ambos, ambos de olhos nos relógios, ambos decerto a pensar que nem sempre a bota acerta com a perdigota ou a careta condiz com a forreta, nenhum esperava a reacção do outro ou a falta dela

jametinhasdito, armado a telemóvel na mão, horas no carro, relógio ao pulso um dia de excepção num ano inteiro ou maior fracção, o passo a compassar no afazer seguinte a hora combinada de antemão, às nove horas em ponto no portão, e no entanto...

o portão então que testemunhe semelhante abstracção, julgamos que passamos por quem passamos pela nossa condição, juízo e preconceito, mente fechada ao real, ao ser e à sua expressão

em vez de atender à verdadeira situação, adjudicium, atender aos factos pelo seu valor próprio, sem olhar a quem, de quem e para quem

em que ficamos, então?

;(


observações são bem vindas ;_)))

1 comentário:

Ana disse...

Aconteceu-me o mesmo desalinho outro dia... Ensinaram-me a considerar sempre que alguém pede e que destino do que damos, não é da nossa conta. Mas porque arrumava qualquer coisa no porta bagagens e a pressa também de chegar disseram: não agora não.
Não volta a acontecer. Afinal, fui caminho fora a pensar que somos espelho uns dos outros. Que sem abrigo é o meu alinhamento…;((