2010-10-31

de papel


«Até que ponto todos os livros, de todos os autores, não formam um único, imenso livro, que principiou a ser escrito muito antes de nós e prosseguirá sem fim, interminável? Perguntas, perguntas. No fundo não me interessam muito: o que eu desejaria era deixar, mais ou menos acabada, a minha casa de palavras, por definição para sempre incompleta. E que o leitor se sentisse justificado e feliz lá dentro, rodeado de vozes que afinal são as suas.»

autor de crónicas e obras admiráveis, António Lobo Antunes transporta, na "Visão" da semana de 21 a 27 de Outubro - nº 920, a dor de todos os seres (mortais) e em particular a de um escritor, debatendo-se com a finitude da vida e da memória mas também com a grandeza e limites do processo criativo

quanto aos livros, à leitura e à escrita, matérias-primas de especial predilecção do Ditos, é sempre interessante conhecer a expressão do pensamento de um escritor, para mais com a magnitude de António Lobo Antunes - e na crónica em apreço está um saborosíssimo apontamento sobre os meandros do processo criativo que terá em curso e alguma teorização sobre o tema, de assinalável interesse

na transcrição acima, que faz lembrar o magnífico "A Casa de Papel", do argentino-uruguaio Carlos Maria Domínguez (ASA, 2006), parece estar referenciado todo o Borges, quer lido directamente, quer pelas palavras conhecedoras, em causa própria e comum, do seu leitor e discípulo Alberto Manguel e a sua "Uma história da leitura"

mas o jametinhasdito vai mesmo é para a devolução aos leitores da autoria da obra, quer nas vozes que povoam os livros, quer enquanto destinatários titulares da eternidade a que um escritor iludidamente se dirige, ao que afirma e a julgar pelo confesso caso de António Lobo Antunes


;_)))



observações são bem vindas ;->>>

3 comentários:

Anónimo disse...

O acto de escrever para o escritor, tal como o acto de pintar para o pintor, e, afinal, tudo o que seja criativo para o seu criador, é algo que desembaraça qualquer espírito que esteja desassossegado por algo que lhe faz pressão. Daí a necessidade de essa pressão ser expelida: a ex-pressão.
A falta de tempo para dizer, ler ou fazer tudo aquilo que se deseja é comum a todo o criativo. Borges, Almada, Saramago, Pessoa, tantos nomes que dizem o mesmo: não só com razão mas também com sinceridade e até dor. Estou a lembrar-me de Cesário Verde.
Já agora, António, procure na "Escrita de Referência" que lhe enviei o item "Escrever". Encontrará lá também um A. Lobo Antunes interessante.
jmco

hfm disse...

Bela reflexão sobre um dos pontos fundamentais não só para os autores mas para todos os que têm as palavras no sangue.

Sofá Amarelo disse...

Gostava eu também de habitar uma casa de palavras onde as letras fossem quartos, sofás, cadeiras, mesas, corredores, escadas, paredes...