o Prof. Luís Menezes Leitão, no blog "Albergue espanhol", publicou há dias e vem defendendo, um texto em que procura refutar as teses de constitucionalidade da medida governamental (das normas que a concretizam) que determina cortes nos salários de alguns funcionários públicos - e para o efeito, recorre a citação (de um extracto) do Manual do Prof. Marcelo, o verdadeiro iniciador das "conversas em família" de que temos uma réplica aos domingos ou quando dá jeito
é inquestionável a competência jurídica do Prof. Luís Menezes Leitão, da Faculdade de Direito de Lisboa, bem como a sua legitimidade para questionar e contrariar conclusões opostas de teses de outros ilustres Profs., da mesma ou de outras Universidades
mas é claro que, se o post revela os melhores sentimentos, escusado seria o apelo ao antes do 25 de Abril de 1974, além de não ser possível nem comparável e nada haver a glorificar em tão sanguinários tempos, mesmo se muito doutos como o citado professor que o muito respeitável blogger reivindica para avalista da tese expendida
e é também claro que todos nos sentimos aviltados pelo gravoso das medidas excepcionais que os tempos de crise obrigam a invocar
mas tem que se reconhecer algum realismo na necessidade premente de gastar menos do que o que se tem
é como em nossas casas - seja a culpa de quem for, quando já não temos mais dinheiro, não o podemos gastar
era assim com muitos de nós quando vivíamos com os nossos pais, era assim quando vivíamos sozinhos e é assim ainda hoje e desde que temos Família a nosso cargo
tal como tantas pessoas e famílias, gastando o que não tinham, acabaram por ter que pagar custosos juros, perder património ou até, infelizmente, desestruturar a própria ligação familiar, economia comum e projectos de vida em conjunto
isso mesmo pode acontecer a um País - tornar-se insolvente, perder património, desestruturar-se
no lar, quando a hora é de aperto, toca a rebate e há que dar as mãos em união, passar mal e fazer sacrifícios para salvaguardar o mais importante e um futuro condigno
no País, depois de muitos anos consecutivos de défice, crescente e até galopante, tem que haver um esforço de acalmia e tem que haver superavit, tem que haver anos de poupança, custe o que custar
a redução dos salários da função pública pode ser constitucional ou inconstitucional, depende das leis e das diferentes interpretações, muitas bem legítimas apesar de aparentemente contraditórias mas de certeza dispensando a invocação dos algozes, muito menos a sua glorificação serôdia - só por falta de honestidade intelectual ou pura má fé se deusifica o inefável seguidor do botas a propósito do que permite ou não a actual Constituição
é compreensível, merecidamente, toda a solidariedade para com os funcionários públicos afectados - os menos vulneráveis, só a partir de certo rendimento e de forma progressiva são atingidos pelos cortes
mas desde há vários anos que muitas empresas no sector privado tiveram que reduzir salários aos seus colaboradores e muitas dessas situações ainda hoje perduram (calhou a muitas famílias e vai continuar assim) e nem todas puderam respeitar o mesmo patamar de salvaguarda e conceitos de progressividade de rendimentos, e nem todas se ficaram pelos cortes aplicáveis à função pública, pois em muitos casos foram bem mais drásticos
já para não falar nas empresas que tiveram que fechar, pelos que os respectivos trabalhadores ficaram sem o respectivo posto de trabalho assegurado - prerrogativa de que só mesmo os funcionários públicos podem regozijar-se, nada havendo a opor, diga-se
mas teria ficado muito bem na fotografia, aos funcionários públicos, aos reivindicativos sindicalistas da função pública e a autorizados (ainda assim, apesar do apoio reclamado aos doutrinadores do antigo regime) professores, terem então manifestado solidariedade para com esses trabalhadores do sector privado que perderam parte dos seus salários ou mesmo o próprio posto de trabalho
ou, ao menos, como mínimo ético para iludir o cinismo que não disfarçam, fazer-lhes uma justa referência pelo antecedente sacrifício, sem voz nem garantias ou regalias de que só os funcionários públicos podem beneficiar - e sem pareceres de poderosos jurisconsultos ou bloggers bem intencionados
2 comentários:
Que há que por ordem na casa, há com certeza! Mas, daqui da análise de um modestíssimo cidadão observador do social, acho que estes cortes, estas reduções, estas taxas roubomoderadoras, etc, etc, na prática serão igual a zero porque qualquer naco de poupança será absorvido por dívida monstruosa que se deixou crescer em nome da modernidade. Nem que os cortes fossem de 50% nada se alteraria porque o problema não está em reduzir despesas - isso todos os governos tentaram fazer até hoje e nunca conseguiram - mas sim em motivar as pessoas a produzir e só depois consumir!
Mas - e , por exemplo - se o governo carrega os recibos verdes (a maioria deles falsos recibos verdes!) com uma taxa de 29,6% mais segurança social, é o mesmo que estar a dizer que é melhor ir viver para debaixo da ponte... pelo menos aí vê-se passar os peixinhos e não se tem que aturar chefes e patrões arrogantes e/ou incompetentes!
resposta do Prof. Luís Menezes Leitão ao comentário:
«Não se trata de uma questão de sentimento, mas de uma questão de ilegalidade e de inconstitucionalidade. A comparação com o regime anterior serve apenas para demonstrar o estado a que deixaram chegar este regime. Quanto à solidariedade com os trabalhadores do sector privado, sempre a tive, tanto assim que já várias vezes me pronunciei contra a absurda lei das insolvências, que tem contribuído para encerrar inúmeras empresas que ainda poderiam ser viabilizadas. Já quanto ao realismo de o Estado não gastar o que não tem, concordo inteiramente. O que não me parece aceitável é que, depois de contrair obrigações, o mesmo Estado decrete unilateralmente a redução das suas obrigações perante os seus credores mais frágeis, precisamente para evitar declarar a bancarrota perante os credores mais poderosos. Trata-se de uma situação que deveria causar vergonha a qualquer pessoa, seja qualquer for a profissão ou actividade a que se dedique.»
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