2013-07-02

ênfase


ao jeito de celebração:

RECONSTITUIÇÃO DE PAISAGEM COM FIGURA





Talvez no fundo,onde o ramo se agita sob as cores indecisas
do crepúsculo,a tua figura minúscula se recorte ainda ; um som de aves
surgirá de entre as árvores,no bosque,e sob o escurecer alguém fará
ouvir um poema breve no qual todas estas coisas,com a necessária clareza,
poderão soar aos humanos ouvidos.Porém,ainda um brilho divino
envolve este desenho que de memória reproduzo.Os teus passos aproximam-
se e subitamente chegas,rindo,enquanto a prosa e o verso se detêm
nas margens iluminadas do teu corpo.Tons dominantes de cinzento,de azul,
de um claríssimo verde,se confundem agora nos meus olhos. Em vão os
fecho ; com a precisão de uma obcessiva memória de novo se combinam
e constroem o quadro vegetal e celeste em que te moves.Um brando agitar
de folhas e o roçar dos teus cabelos no vestido,eis quanto então
fixaram os meus ouvidos.Mas me ausento dessa paisagem.Só uma voz,única
e estranha,repete sucessivamente as tuas últimas palavras,e este verso
se liberta da tentação de algures para regressar e envolver-se na concha
húmida do poema.A palavras se reduz,afinal,quanto antes está escrito.
Um hálito de pó e sintaxe faz-me voltar na cadeira,pegar no papel em que
escrevo e levantá-lo à altura dos olhos – para novamente te ver,à
transparência,no fundo luminoso e inacessível da janela entreaberta.

Nuno Júdice, in O CORTE NA ÊNFASE, Colecção "O oiro do dia", Editorial Inova/Porto
Desenho de Domingos Pinho
Fevereiro / 1978

(250 exemplares, numerados)







observações são bem vindas!

obrigado ;_)))

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