ao jeito de celebração:
RECONSTITUIÇÃO DE PAISAGEM COM FIGURA
Talvez no fundo,onde o ramo se agita sob
as cores indecisas
do crepúsculo,a tua figura minúscula se
recorte ainda ; um som de aves
surgirá de entre as árvores,no bosque,e
sob o escurecer alguém fará
ouvir um poema breve no qual todas estas
coisas,com a necessária clareza,
poderão soar aos humanos
ouvidos.Porém,ainda um brilho divino
envolve este desenho que de memória
reproduzo.Os teus passos aproximam-
se e subitamente chegas,rindo,enquanto a
prosa e o verso se detêm
nas margens iluminadas do teu corpo.Tons
dominantes de cinzento,de azul,
de um claríssimo verde,se confundem
agora nos meus olhos. Em vão os
fecho ; com a precisão de uma obcessiva
memória de novo se combinam
e constroem o quadro vegetal e celeste
em que te moves.Um brando agitar
de folhas e o roçar dos teus cabelos no
vestido,eis quanto então
fixaram os meus ouvidos.Mas me ausento
dessa paisagem.Só uma voz,única
e estranha,repete sucessivamente as tuas
últimas palavras,e este verso
se liberta da tentação de algures para
regressar e envolver-se na concha
húmida do poema.A palavras se
reduz,afinal,quanto antes está escrito.
Um hálito de pó e sintaxe faz-me voltar
na cadeira,pegar no papel em que
escrevo e levantá-lo à altura dos olhos
– para novamente te ver,à
transparência,no fundo luminoso e
inacessível da janela entreaberta.
Nuno Júdice, in O CORTE NA ÊNFASE,
Colecção "O oiro do dia", Editorial Inova/Porto
Desenho de Domingos Pinho
Fevereiro / 1978
(250 exemplares, numerados)
observações são bem vindas!
obrigado ;_)))
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