o presidente Cavaco aceitou o pedido de demissão do primeiro ministro Sócrates e decidiu dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições para o dia 5 de Junho de 2011
esta dissolução é uma sentença de divórcio entre eleitores e deputados, estes supostamente representantes dos primeiros mas bem sabemos que a jogar cada um pelo calculismo do seu partido político e não pelo eleitorado que os elegeu para um mandato de 4 anos
ou seja, tais supostos representantes do povo nem sequer foram capazes de um acordo dissolutório: as várias, ansiosas e crescentes moções de censura não foram aprovadas - o maior partido da oposição nunca aprovou as apresentadas pelos partidos com menor representação parlamentar nem apresentou a sua própria moção de censura ao Governo
ainda assim o desacordo poderia culminar na Assembleia da República, se o Governo apresentasse eventual moção de confiança e esta lhe fosse recusada, sempre seria uma decisão própria e não alheia, intramuros e não sentenciada de fora, em S. Bento em vez de requerida a Belém
mas o procedimento seguido foi o da apresentação ao presidente de um pedido de demissão do primeiro ministro, ontem aceite com o desfecho presidencial dissolutório e antecipada convocação eleitoral
constitucionalmente e em teoria, havia inúmeras hipóteses de entendimentos partidários para outras soluções governativas, aliás já submetidas à consideração dos diferentes partidos logo no início da legislatura que agora finda, por iniciativa do partido vencedor das anteriores eleições legislativas, com maioria relativa, a que só o silêncio respondeu
e o ruído desse mesmo silêncio minou até ontem uma legislatura que nem a meio termo chegou, aparentemente acreditando-se que uma nova eleição constituirá maior legitimação - porém, quando não se respeita a legitimação anterior, nada assesta que se respeitará a próxima
no entanto, o que formalmente (cfr. o sobredito discurso dissolutório) se afirma acreditar é que as novas eleições nos trarão uma "clarificação"!
Cavaco jametinhadito isto mesmo: «Concluí, assim, que só através da realização de eleições e da clarificação da situação política poderão ser criadas novas condições de governabilidade para o País.»
o raciocínio é tardio (sabia-se desde o referido silêncio de todos os partidos da oposição em resposta à solicitação de propostas de soluções de governabilidade que o partido vencedor havia suscitado, ou seja, desde o início da legislatura da maioria relativa do Partido Socialista) mas confere com o actual "sentimento geral", bem como com as actuais expectativas calculistas das diferentes forças político-partidárias e seus principais intervenientes, julgando ganhar mais votos nas próximas eleições que nas anteriores - ou, ao menos, que nas eleições a realizar em momento posterior da legislatura ou, como seria normal, no seu final
a realidade, porém, não faz antever essa panaceia eleitoral pretendida pelos partidos políticos, requerida pelo primeiro ministro e, a reboque, alegada por Cavaco: é que os partidos são exactamente os mesmos, os eleitores são sensivelmente os mesmos e os principais intervenientes são também os mesmos que desencadearam a crise
no capítulo dos políticos intervenientes, afinal os principais responsáveis pela actual crise política, há apenas duas ligeiras (mas porventura decisivas) mudanças:
- nova liderança do PSD, desde a derrota nas anteriores eleições: Coelho chegou, venceu e marinou durante um ano e é agora o dirigente máximo do PSD que se apresentará ao próximo sufrágio, embora seja o mesmo responsável do PSD que ao chumbar o PEC IV, em vez de procurar e propor uma solução alternativa, deu os passos para concretizar o propósito de Sócrates de se livrar da espada quotidiana em que se tonara o Parlamento, permanentemente pendente sobre a cabeça do Governo
- segundo mandato de Cavaco, afinal o seu objectivo primeiro, a que sacrificou tudo e todos, incluindo, com encantatória arte maquiavélica, o logro do pacto firmado com Sócrates para a sua eleição presidencial em 22 de Janeiro de 2006
mas se todos querem, todos têm e aí está mais uma vez a demonstração da máxima de que se merece o que se está disposto a aceitar
provavelmente mais do mesmo!!
mas também não nos poderemos admirar se com este encadeamento de cinismos calculistas apenas obtivermos menos do mesmo!!!
e é pena, porque se é preciso e vale a pena mudar, pena maior é que a mudança nos seja imposta em vez de querida, assumida e protagonizada por nós
a 5 de Junho, à noitinha, ficaremos apenas perante o que já hoje sabemos, temos e merecemos
só não queremos ver...
;_)))
ps - só por graça, é impressionante a actualidade da análise de Eça de Queirós em carta de 1891, endereçada ao conde de Arnoso, então secretário do rei - a quem Eça efectiva e piedosamente se dirigia, afinal, errando (também falhou, por pouco, o momento da revolução republicana: disse, por interposto interlocutor espanhol, "daqui a dez anos" e foram quase 20...) propositada e grosseiramente as apreciações quanto à animosidade e ameaça que já pairavam sobre a real pessoa de D. Carlos; no mais, onde o escritor escrevia Espanha leia-se hoje Europa (ou Espanha!?) mas sobre a impossibilidade de mudança autêntica é de uma agudeza ainda hoje dolorosa
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