há dias, a revista Visão publicava crónica engraçada do advogado Rui Patrício, em que este glosava João Baptista da Silva Leitão, mais conhecido por Almeida Garrett, a propósito da multiplicidade de opiniões e lições que muitos e tantos emitem e pretendem retirar acerca do «processo Casa Pia»
"Foge cão, que te pedem opinião, ou uma lição", dizia o jus-cronista, em vez do original "Foge cão, que te fazem barão! _ Para onde, se me fazem visconde?", então a respeito da multiplicação dos títulos atribuídos a antigos e a novos-ricos a troco de preciosas receitas para os cofres do Estado a que se chegara no fragor das lutas liberais e da regeneração
convém, porém, recordar, que uns 20 anos depois do celebérrimo dito, o grande dramaturgo foi agraciado com um nobre título, precisamente o de visconde...
também neste caso, a opinião de não dar opinião e a lição de não dar lição pode bem ser primevo arrufo de quem ensina e opina por vocação, interesse e profissão - veremos...
mas o jametinhasdito vai hoje para Isaltino de Morais, ao declarar que não intervém no caso do "homem que mordeu o polícia" protagonizado pelo seu adjunto Ezequiel Lino, porque "não estava em funções!
o gesto de Ezequiel Lino explica-se pelo acesso de fúria, porque perdeu as estribeiras, às vezes há situações exasperantes em que se esvai a presença de espírito indispensável à convivência social e especialmente exigível a quem exerce funções de responsabilidade, como é bem o caso de Ezequiel Lino, político do PCP e ex-presidente da Câmara Municipal de Sesimbra, mas também alto quadro da autarquia de Oeiras onde os factos decorreram
mas ao responsável máximo da autarquia, o presidente Isaltino de Morais, fica muito mal colocar a hipótese de o seu adjunto se comportar assim (insultar, empurrar, bater, pontapear, morder, cuspir em agentes da autoridade) no exercício de funções como condição sine qua non para intervir em defesa do comportamento adequado e civilizado por parte dos políticos, devido em qualquer circunstância, ou dos membros da sua equipa de gestão autárquica, de quem é o rosto e devia ser guia de conduta exemplar
como "cão sobre vinha vindimada" é ainda o que se pode dizer de Laurentino Dias, secretário de Estado do desporto, quando afirma que se alheou de facto - como o acusam os dirigentes do Sport Lisboa e Benfica - do processo do Apito Dourado, como o acusa o Benfica, mas que o fez e o fará em qualquer processo dessa natureza, em que "as questões transitam para o foro criminal e passam a ser da competência estrita do Ministério Público, dos tribunais e dos interessados"
ora, então para que serve um governante? um governante alheado não cumpre a sua missão!
no processo "Apito Dourado", a investigação policial e judiciária trouxe à luz do dia o que toda a gente sabia: alguns clubes de futebol ofereciam "fruta", "café com leite", "viagens ao estrangeiro", prendas preciosas e reluzentes, certamente por lapso da contabilidade como defenderam com grande lata ou por amabilíssima gentileza para com o regime alimentar e datas de aniversário de árbitros e seus familiares
os tribunais vieram a desconsiderar muitas provas por clamorosas irregularidades processuais - e se assim foi, há de facto que insistir na formação e boas práticas dos investigadores, para que não se deixe a justiça escapar por entre os anéis, sendo irremediável o arquivamento dos autos e a não aplicação de penas de prisão aos presumíveis autores de tais actos assim incomprovados
assim se faz justiça, mas atenção: assim é em termos penais, atentas as especiais garantias que a Constituição confere ao processo criminal
mas isso não significa que tenha sido reposta a justiça em termos desportivos e muito menos em termos de cidadania - foram postos a público actos e factos graves que, embora sem relevância criminal, não podem deixar de ser considerados quanto aos especiais deveres de precaução que podemos exigir aos responsáveis pela organização desportiva do País
e fica ensombrado o político que branquear, por ostensiva omissão de que parece orgulhar-se Laurentino Dias, factos e comportamentos que deviam envergonhar os responsáveis pela condução, governo e tutela das entidades sob sua responsabilidade
de contrário, que está lá a fazer o actual secretário de Estado do desporto? como se propõe então melhorar a governação na sua esfera de competências ? para que serve, afinal?
2 comentários:
O seu texto é muito pertinente, António, e foi com prazer que o li.
Contudo, é um facto que muitas vezes um advogado, aquele que é chamado para emprestar a sua voz numa determinada argumentação, defende causas diversas, por vezes quase opostas. Se ganha ambas, é geralmente considerado um bom advogado. Não me esqueço de uma vez ter lido uma entrevista com um advogado, salvo erro francês e especializado em direito penal, em que, quando perguntado se continuaria a defender um cliente que confessasse perante ele um crime, não só confirmou que sim, como disse, perante nova pergunta sobre como reagiria se ganhasse a causa, que se isso sucedesse significava apenas que o Ministério Público não cumprira a sua missão.
Como cidadão que sabe quase nada de leis, reagi mal. Lembrei-me dos Faustos que vendem a sua alma. Mas tive que aceitar que a vida é assim.
Nesta linha ideias, comportamentos desta ordem não são tão raros como pode parecer, e como o António saberá bem melhor do que eu.
O que particularmente me chamou a atenção no seu texto, bem fundamentado com exemplos, foi a pergunta final. Na realidade, é inadmissível que um Ministro ou um Secretário de Estado diga repetidamente no exercício das suas funções "É preciso fazer...", "É preciso coordenar...", etc. Eles têm é que fazer e não repetir aquilo que o cidadão comum, sem qualquer poder, reclama.
jmco
Ainda não percebi como é que o dinossauro CDU Ezequiel Lino foi parar a adjunto de... Isaltino Morais! Faz-me lembrar há pouco na TSF Zita Seabra a dizer: "como militante do PSD eu acho que...". Não interessa o que acha, fica estranho quando as pessoas mudam radicalmente de opção política! Eu sei que a política é um trabalho como outro qualquer, mas - e como na religião - há os profissionais e os outros... e os profissionais não têm problemas em mudar conforme os cataventos. É quase como no futebol, mas aqui até se percebe porque o futebol é um trabalho a curto prazo... bom, e na política também o prazo pode ser curto se nas eleições seguintes o (ainda) Povo não estiver pelos ajustes...
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