o traçado engraçado de Pedro K., o "Meia Hora" de quinta-feira passada, 29 de Novembro, tenta ridicularizar a designação eleita para a telefonia móvel dos CTT, jametinhamdito, nada mais nada menos que Phone-ix !
mas só se presta a ridículo quem tem algum senso, isto é, se de todo não se desfez já do sentido do ridículo
é que no mundo globalizado de hoje, acredita-se que os desafios mais problemáticos devem superar-se pela via das oportunidades que geram...
e quando já se perdeu a vergonha, o ridículo pode render preciosos cêntimos para o relatório e contas anual
também engraçado é o esforçado emprego do "i" para reforçar o ix (Phone-x tem a mesma fonética) aos distraídos ou menos versados em inglês ... que poderiam ler "fóne-chis", prejudicando talvez o êxito da implementação do famigerado plano de marketing ou dos níveis de rendibilidade projectados
no celebrado verso "alma minha gentil ...", Camões apôs o selo do génio pela deliberação de transformar em figura de estilo um erro da linguagem comum, a cacofonia, mas também pela acumulação com outra provocação, do foro dos costumes, não sendo inocente o recurso à expressão "maminha" que é o resultado fonético do atrevimento poético
tal é permitido a valorosos poetas porque o seu reconhecimento lho permite: aos leitores não restam dúvidas sobre o carácter intencional e poético da ousadia; e porque assim é a arte, infrigir a norma e provocar as mentalidades, impondo um confronto com os limites aceites e procurando a adopção de novos limites
também a recente escolha do título "Deixa-me amar" para designar uma série televisiva (telenovela é um pouco abusivo) se compreende num projecto de deliberada cacofonia, de que o nome é apenas mais um pormenor ditado pelo marketing
há um aproveitamento da notoriedade do erro e da provocação ao nível dos costumes - neste caso, o resultado "mamar" nada terá de poesia, movendo-se tão só na suposta rendibilidade de audiência televisiva da vulgaridade
de igual modo, os CTT terão decidido em cima de aturados estudos de notoriedade e a escolha é mero produto da ditadura do marketing - às malvas com a ética
o resultado fonético pretendido "fónix" é também da ordem da vulgaridade, jargão generalizado - por substituição púdica de outra expressão de fonética aproximada e gosto ainda pior - mas correntemente utilizada por jovens cada vez mais jovens, eventualmente tão jovens que não chegaram ainda ao entendimento do significado escondido pela ténue mutação fonética
mas aos CTT, e sobretudo aos respectivos marketears, não escapam significados nem subentendidos: a aposta na vulgaridade como factor produtivo resulta directamente de projecções económica-financeiras para maximização do retorno do investimento no projecto
e da atitude perante a ética: vale tudo para realizar negócios
vale ?
observacões são bem-vindas
2007-12-02
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3 comentários:
Vale? no mundo em que vivemos - vale. No mundo utópico dos valores e da ética - não vale.
Cada um sabe o mundo em que vive, quer viver, pode viver.
Já foi há muito que as curvas da Marylin, então ainda não famosa, foram usadas para publicitar os pneus Good Year, bons nas curvas. Ético? Prefere dizer-se que é um "stopper". A brand awareness de que fala exige popularidade, no sentido de que muitas pessoas conheçam a marca para comprarem o produto. Hoje, também, do ponto de vista do livreiro uma boa obra é aquela que vende muito. O público é quem estabelece o veredicto.
É claro que o phone-ix é usado no anúncio em contextos que são iguais aos que, em linguagem eufemística para não ofender os paizinhos ou os profs, meninos e meninas dizem "fónix!" Na sociedade de hoje, vende bem. Estou a recordar-me do Alexandre O'Neill que, quando lançou um slogan do género para a novidade de então (o Gaz Cidla) - "Na cozinha é um descanso" - viu a sua proposta liminarmente recusada pela administração da Sacor.
Talvez tenha sido a lembrar-se desses tempos que numa das zonas mais conhecidas da Almirante Reis - os Anjos - ainda não apareceu até hoje uma loja de produtos eróticos com o nome de "Sexo dos Anjos".
Mas você vai mais longe, António, e entra na cacofonia camoniana, e fala da "alma minha" associando-a à "maminha". Não necessariamente sobre o Camões, mas sobre algo com pontos de semelhança, escrevi uma vez um texto que quando deixar de escrever aqui irei procurar e sobre o qual farei copy&paste para lhe enviar.
Curiosamente, António, você gosta - e ainda bem! - de criar palavras novas, que assim adquirem diferentes conotações. As "pianhas" das gaivotas, do outro dia, marcavam a interessante inflexão das peanhas normais para o pio das avezinhas. Neste seu post surgem os "marketears", com a não menos apelativa inflexão dos "marketeers" com olhos marejados de lágrimas.
O jogo de palavras é algo notável. Recordo-me de um momento em que, numa daquelas esplanadas musicais de S. Salvador da Bahia, ouvi o baladeiro a contar para sua amada que ia a outro planeta: "vou a Marte". Combinação interessante.
Até já!
jmco
Viva, António! Este é o texto, em copy&paste de que lhe falei. Desculpe a extensão.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 1975
Era o telejornal, que eu ouvia com aquela ideia de que é preciso não deixar que coisas aconteçam no mundo sem que nós delas nos apercebamos. É, por assim dizer, a única forma que temos de viver a história e, em certa medida, entrar mesmo nela. O telejornal é um livro de actualização permanente, é tele-escola, é uma das muitas formas de nos iludir quanto ao não perder o combóio da vida, dos ricos, dos VIPs, das desgraças e dos mistérios.
Estava eu a ouvir um desses telejornais quando me surgiu diante dos olhos o João Cutileiro, escultor, alguém que bastante admiro, a ser entrevistado depois do seu regresso de Londres. Apurei o ouvido. Ver a obra do mestre é uma coisa, escutar o próprio mestre algo bastante diferente, porventura esclarecedor de algum ponto ou ângulo interessante. As entrevistas de telejornal são relativamente curtas; o escultor poderia falar talvez uns quatro, cinco minutos no máximo. Não lhe foi dada essa chance, embora essa fosse a duração aproximada da entrevista.
Postado à frente do artista e depois de ter anunciado quem tinha junto a si, o entrevistador esculpiu ele próprio toda uma pergunta, sinuosa, enredante, ultrabarroca na sua formulação. A questão era basicamente a seguinte: "O senhor, regressado de Londres há meses, acaba de fazer no nosso Algarve uma obra monumental e prepara-se possivelmente para fazer outras de grande dimensão. Dado que todas as suas composições de Londres são pequenas, por vezes mesmo quase minúsculas, será que é o sol de Portugal a contrastar com o nevoeiro londrino que o inspira neste contraponto? Será que o país latino que é o seu lhe fornece a inspiração para a monumentalidade que a vida e a cultura anglo-saxónicas asfixiavam?"
Adicionou o entrevistador ainda mais umas "perspectivas", aludiu a "prospectivas" quase em jogo de palavras, juntou uma "dicotomia" e um "binómio" qualquer. Depois, extasiado com a sua verve, aguardou a resposta do escultor. Com um ligeiro sorriso, que possivelmente tinha reprimido com algum custo aquando da longuíssima formulação da pergunta e que a câmara não tinha revelado, focada que estava no entrevistador, o escultor respondeu:
- Sabe, eu vivia com uma bolsa, e as bolsas não permitem geralmente uma vida desafogada. Estou mesmo assim muito agradecido à Fundação Gulbenkian. Eu vivia numa mansarda, em espaço reduzido, tecto baixo. Tudo o que podia produzir lá era obrigatoriamente de reduzidas dimensões!
Pouco mais disse, porque o tempo estava esgotado. Quanto a mim, fiquei feliz por ter ouvido o escultor dar ali a explicação, ele próprio. Mas não é mesmo assim impossível que um crítico qualquer, tão interpretativo e fantasioso como aquele entrevistador, venha um dia a surgir com a teoria do sol algarvio e do nevoeiro londrino. Quando o escultor, já falecido, não tiver mais possibilidade de replicar.
Quantas teorias deste género não fizeram e fazem história! Quanta risada monumental não provocariam nos heróis as histórias que os nossos compenetrados compêndios contam sobre eles!
Nunca me digam que o telejornal só diz mentiras e não vale a pena.
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