2007-11-26

direito e mundo

o mundo e o direito andam "de par", mas por vezes com assinalável desfazamento

em princípio, temos a ideia de que a realidade evolui e o direito tende a cristalizar, de algum modo, a realidade, em sucessivos patamares evolutivos, tutelando ou disciplinando aquilo que merece tutela ou disciplina à luz do aparato do Estado, corporizando normativamente (e legitimando) a futura intervenção da administração pública e coerciva da Justiça - e assim, com Pulitzer, surpreendemos o carácter conservador do direito

por outro lado, o direito surge muitas vezes a revolucionar e impulsionar as vanguardas sociais, antecipando a modificação das mentalidades, humanizando as sociedades ou edificando o progresso - foi assim em muitas das conquistas sociais no correr dos séculos e é assim pacificamente entendido no edifício e no enorme acervo jurídico da construção das comunidades europeias em torno de um projecto de aproximação económica e política, pretendendo-se também social

mas os avanços sociais e jurídicos não ocorrem necessariamente ao mesmo tempo: umas vezes interpreta-se a lei nova à luz da lei antiga, resistindo à mudança; outras vezes, algo "criativamente", enriquece-se o direito constituído com os alvores de aquisições sociais ou culturais (ética incluída) ainda não recebidas pelo universo formal da legislação e regulamentação em vigor no momento - incluindo, também, o conhecimento científico

isto a propósito do "caso" do cozinheiro com HIV recentemente debatido em reacção a um acórdão tirado em Tribunal de recurso, gerador de controvérsias várias e de um comunicado do Conselho Superior de Magistratura, de 22 de Novembro de 2007

este, começa em grande e jametinhadito: "1- O cidadão em questão não foi objecto de despedimento com justa causa, antes a entidade empregadora considerou a existência de caducidade do contrato de trabalho;"

ora, o cidadão é um ser humano, por definição (da natureza e da moral) e pela Constituição da República (do direito, então) insusceptível de ser objecto seja do que for muito menos de despedimento com ou sem justa causa - se o cidadão foi despedido, foi o sujeito do despedimento e não seu objecto!

depois, também não se explica a substância ou o efeito da diferença entre a reclamada "declaração de caducidade" e o suposto mas negado "despedimento" - ora, esclarecimento é o que se espera de um comunicado do Conselho Superior de Magistratura e não artifícios jurídicos ou manobras de diversão

e fica ainda unm sabor amargo que se repete muitas, muitas vezes, deixando amiúde os olhos aguados de raiva a requerentes de Justiça e perplexidade em múltiplos intervenientes do mundo dos tribunais: o magnífico sistema dos "factos provados" torna preto o que é branco, soalheiro um dia de chuva e cristalino o mais poluído lamaçal, mesmo quando à vista de todos, a psoteriori e para todo o sempre se verifica que o que não é não pode mesmo ser

mas em recurso, o acórdão definitivo oblitera que não se podem alterar os factos "dados" como provados pelas instâncias

mesmo se contra evidência científica, o mais puro bom senso ou repetível averiguação








observacões são bem-vindas

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