2004-11-28

censura da não censura de actos censuráveis

comentáro ao ponto de vista de M. YOUSSUF ADAMGY, Director da Revista Director da revista islâmica portuguesa «Al Furqán» sobre o assassinato de Theo Van Gogh - secção de opinião do Diário de Notícias de 28 de Novembro de 2004

apreciando a pública intervenção de um responsável islamista no debate em curso sobre a questão, as causas e as consequências do assassinato de Theo Van Gogh, inquieto-me por faltar ostensivamente a clara reprovação do acto bárbaro e criminoso, gorando-se mais uma oportunidade de censura da opção de substituição da lei pela barbárie de procurar fazer justiça pelas próprias mãos, para mais na versão extrema da cobarde eliminação do outro, a quem o executor não permite qualquer defesa

depois, à invocação da lista infindável que simboliza o «Terror Islâmico», Adamgy sobrepõe a vitimização de catalogação como fundamentalista ou extremista de qualquer muçulmano que queira praticar a sua religião – ora mais uma vez falta, por leve ou implícita que seja, a censura dos actos que tipificam o terror, qualquer que ele seja

aceito que possa existir o sentimento, legítimo, de que é olhado como «terrorista islâmico» qualquer homem Muçulmano que caminhe ao longo de uma movimentada rua em Londres ou Paris com uma barba e um topi ou outra coberta na sua cabeça – mas falta uma referência ao local onde estamos, Portugal, designadamente à cidade de Lisboa, com ruas movimentadas em torno da Mesquita onde inúmeros transeuntes se cruzam quotidianamente com mulheres e homens praticantes da religião islâmica, desconhecendo qualquer episódio antigo ou recente de tal percepção, o que inviabiliza a generalização a que recorre Adamgy antes impondo em boa fé a adequada ressalva

quanto à crítica de que as mulheres Muçulmanas que usem véu (lenço) não podem ir a nenhum lado no mundo Ocidental sem serem criticadas como sendo oprimidas ou estarem loucas ou atrasadas (pelo facto de se cobrirem), direi que essa crítica também se manifesta, embora a custo e corajosamente, noutros locais do globo, designadamente em sociedades islâmicas – em particular nas sociedades ocidentais, a identificação das pessoas oferece maior segurança, o que me parece aspiração inteiramente legítima, sobretudo no tempo conturbado de vulgarização e mediatização de actos de terrorismo – e até nutro simpatia pelo uso do lenço, em homens e mulheres, de modo que não impeça a fácil identificação de cada indivíduo: em Portugal, nos campos, sobretudo nas zonas agrícolas do Algarve e Alentejo, mas também no mar, ainda subsistem resquícios de antigos costumes relacionados com a protecção física contra a dureza dos elementos; a minha avó usava lenço todo o ano e dizia que “o que tapa o frio tapa o calor”; e também no ocidente subsiste a reserva de pudor no uso do véu de noiva, na cerimónia de casamento

por outro lado, Adamgy aponta como grande falha no Ocidente julgar-se o Islão pela conduta de uma minoria de pessoas islâmicas, catalogação que não é objectiva e procura distorcer a percepção do Islão – é verdadeira a constatação mas perigosa e excessiva a conclusão, que não põe a mão na consciência; na realidade, a generalização existe e embora em grande parte seja atribuível ao instinto de defesa, poderá efectivamente conter muito de preconceito e intolerância; mas, no essencial, é a falta de censura de actos de terror, absolutamente condenáveis, que permite e motiva a assimilação dos autores individuais, quantas vezes nunca identificados, aos responsáveis das comunidades receptivas ou mesmo às próprias comunidades

lembro-me da condenação à morte (sem oportunidade de defesa nem defensor nem julgamento) de um escritor crítico da evolução das sociedades islâmicas; por essa ocasião, foram entrevistados diversos cidadãos praticantes da religião islâmica e nenhum manifestou repulsa por tão abjecta condenaçã

em muitos outros casos faltou a devida censura de actos criminosos, quer por parte de cidadãos quer por parte de responsáveis políticos, religiosos, culturais, dos meios de comunicação, etc., com honorosas excepções

creio que no trabalho comum a empreender, de que é exemplo a iniciativa portuguesa anunciada em Argel, no sentido do ecumenismo e da exortação ao diálogo, há espaço para, em vez de nos limitarmos a apontar que violência gera violência – o que jametinhamdito e inclusivamente pode suscitar leituras legitimadoras da escalada -, denunciarmos a sua ilegitimidade, de modo franco e perceptível a todos, contribuindo para a distinção entre criminosos e as suas comunidades de origem ou respectivos responsáveis – assim se evitará a ampliação da generalização e do anátema, que todos queremos combater e devemos, se pudermos, ir exprimindo livre e abertamente


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