2004-07-05

Sophia

ah ! o livro de estilo também permite retomar a palavra de quem tanto a sentiu e ofereceu

a Sofia tinha bem a conta, a falta e o poder da palavra !

ó então algumas:

"Com fúria e com raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs a sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si desde a palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se faz com o trigo e com a terra"


Sophia de Mello Breyner Andresen





1 comentário:

argumentonio disse...

1 -
http://www.instituto-camoes.pt/escritores/sophia/eticapoesia.htm

2 -
... a dimensão ética, em Sophia de Mello Breyner, não constitui apenas um aspecto da sua modulação lírica, antes enforma globalmente uma expressão literária que se quer ligada à vastidão das coisas e do mundo. Por dimensão ética não deve aqui entender-se um conjunto de imperativos ideológicos ou cívicos que se interpenetrem na formulação verbal e mais ou menos a condicionem; nem, ao invés, um espartilho de crenças regulamentadas a traçarem caminhos mais ou menos direccionados na actividade da criação. Ela própria, aliás, o consagra:
Tão nobre espírito
em tão estreita regra
Tão vasta liberdade em tão estreita
Regra

A ética da poesia configura uma exigência de integridade na construção do texto que dispõe os valores socialmente e culturalmente assumidos num diálogo com o outro (para quem se escreve, para quem se vive), em pensamento activo do ambiente da comum habitação, e ainda, de modo muito forte, em sentimento de pertença e consagração à natureza, entendida já não à maneira romântica, de índole confessional e como receptáculo de sintonia, mas como uma circunstância física e concreta (também ela de prolongamento social e cultural) que é simultaneamente extensão do sujeito poético e extensão da ambiência antropológica que configura os espaços dessa habitação comum:

Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

3 -

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Salgueiro Maia

Aquele que na hora da vitória
Respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora na ganância
Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com sua ignorância
[ou vício

Aquele que foi «Fiel à palavra dada
[à ideia tida»
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse

Cá fora

abre a porta e caminha
cá fora
na nitidez salina do real