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os revolucionários de 1789 escreveram uma «Déclaration des droits de l'homme et du citoyen»... e era mesmo só a benefício do género masculino!
isso mesmo garantiram a Olympe de Gouges, apesar de algumas intrépidas interpretações que procuravam fazer caber a espécie humana onde a letra de forma se referia a "homem", motivando o fervor da revolucionária a publicar e tentar obter a aprovação de uma «Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne», o que lhe causou um radical revés: ao primeiro pretexto, de entre várias difamações, foi guilhotinada - e, posteriormente, quer o projecto de Constituição girondina, com a sua «Déclaration des droits naturels, civils et politiques des hommes», quer a nova «Déclaration des droits de l'homme et du citoyen», de 1793, insistiam na versão reduzida a menos de metade da respectiva população, excluindo as mulheres de muitos direitos políticos e cívicos
com a «Universal Declaration of Human Rights», no final da primeira metade do Século XX, a questão da universalidade em matéria de igualdade de género (objecto de atenção específica na redacção inicial, por alteração expressa ao teor da disposição proposta para o artigo 1º, assim e por essa razão emendado de raiz) parecia bem encaminhada, mas... logo os franceses a traduziram, deliberadamente mal, por «La Déclaration universelle des droits de l'homme» - ainda hoje assim está, como se pode facilmente verificar numa infinidade de edições em papel e de páginas da internet, incluindo várias instituições oficiais francesas e internacionais, como a própria ONU - mas agora as autoridades fazem questão de reiterar que onde se escreve "homem", deve ler-se "seres humanos", porventura eufemismo para manter na letra o mesmo espírito do final do século XVIII...
e Portugal? bom, Portugal não foi admitido na ONU, problema que só foi resolvido no fim de 1955 - e mal: pouco depois Portugal foi processado por violação "dos direitos humanos" referentes à autodeterminação dos povos... questão vexatória que subsistiu até à descolonização e também uma das razões para o regime fascista não ter aderido à Declaração Universal e a um conjunto de textos, documentos e Tratados que pressupunham a democracia, o estado de Direito e o respeito por direitos fundamentais e valores humanos universais, incluindo muitos direitos políticos, cívicos e sociais, tais como... a igualdade de género!
pelo que a nossa adesão à Declaração Universal só viria a suceder na sequência do 25 de Abril de 1974 e da instauração da democracia; com efeito, a Constituição de 1976 incorpora a Declaração Universal dos Direitos... do Homem, embora comummente se afirmasse e interpretasse como aplicável a portuguesas e portugueses, em linha com o princípio fundamental da proibição da discriminação em função do género, rectius, em «razão de sexo», pois «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» - artigo 13º
actualmente, inúmeras instituições, públicas e privadas, referem-se claramente à Declaração Universal dos Direitos Humanos», incluindo Resolução do Conselho de Ministros que em 2018 «Cria o Grupo de Trabalho Interministerial para as Comemorações dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos 40 anos da Adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos Humanos»
de harmonia com a notícia em apreço, o Conselho de Ministros de 17 de Janeiro de 2018 decidiu, para si próprio e para as entidades que tutela, passar a usar a expressão «Direitos Humanos», em vez de "Direitos do Homem", bem como propor à Assembleia da República a revisão da "linguagem" utilizada nos diplomas em vigor com incidência em direitos humanos
assim, mais de 70 anos após a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Portugal avança um pedacinho mais no sentido da universalidade
oxalá seja um primeiro passo do muito que falta percorrer no caminho dos Direitos Humanos, da Igualdade de Género e da sua compreensão, afirmação e vivência universal
;_)))
ps - de notar que se está a propor uma alteração constitucional: os artigos 7º e 16º da nossa Constituição da República ainda se referem a "direitos do homem"... no entanto, a Assembleia da República instituiu um Prémio Direitos Humanos e refere-se amiúde à Declaração universal dos "Direitos Humanos"
ps2 - no jornal Público de hoje, Rui Tavares confessa-se surpreendido por só agora se pretender corrigir este enviesamento na linguagem e na terminologia oficial - e escreve um artigo admirável, em boa hora lembrando Olympe de Gouges, Eleanor Roosevelt (sobrinha de um Presidente americano e esposa de outro, de quem era prima em grau afastado) e Hansa Mehta
ps 3 - por último, fica o desafio: um interessante "Quiz", do jornal Público - o que sabemos, afinal, sobre Direitos Humanos?
observações são bem vindas, obrigado ;_)))
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