2011-08-22

Mutaeni






«[...]


E por isso essa brisa, que soube para si, fez inclinar na sua direcção as chamas da fogueira, que estalaram alegres, e o oyo-handi, que era mais oyo-huku, quis que ela ficasse a saber, e ele foi, assim, por um bocadinho de tempo, o seu pensamento, e esse era o que estava ainda com ela, pois por ele percebera que os olhos do nthoma brilharam também por gostar de a ver quando a tinha fitado e sorrido, e agora que os cânticos já estavam mais perto, Mutaeni oscilou outra vez, querendo o som das suas argolas, e tremeu, ao pensar que o ia voltar a ver, pois o que queria ouvir, no meio desses cantares, era a voz do arauto a anunciar que onawanga, o poderoso e sagrado, acabava ali a sua viagem.


E quando voltou a olhar na direcção do pequeno morro em que o ondyelwa teria de passar para chegar à embala, e os cânticos, sempre repetidos numa língua estranha e que tão bem percebia, pareciam que subiam, mais alto que a poeira que havia no ar, Mutaeni  soube antes de ver o nthoma como iria ser a seguir, com isso sabendo como ele a voltaria a fitar.


_ Twaliepese vangombé!
_ Twaliepese vangombé!


Eram os sons que, em crescendo, agora se iam cantando e Mutaeni, entoando-os também, saudou onawanga, e quando o nthoma apareceu no cabeço, proclamando o grande poder do boi sagrado do soba, o poder que era o daqueles que o protegiam e o faziam, por isso, viver, ela esperou, a tremer, que o rapaz saísse de trás do mwene-hambo e a visse, ali, à beira do trilho, e esse tremor fez com que sentisse, outra vez, o som suave da madeira das suas argolas, e quando estava a pensar no que elas queriam dizer - a sua qualidade de púbere -, soube que ele a vira, como ela há pouco sentira que ia acontecer, e agora, nos olhos que a fitavam e assim estavam nela, só havia o mesmo brilho ou uma espécie mais quente e melhor do que aquele com que tinha sonhado, acariciando a dúvida que a ajudara a viver esses dias.


[...]»


jamtinhaescrito na alma africana dos Hereros "A lenda dos homens do vento", passada a prosa por Fernando Fonseca Santos in Oma-Handa Ekwanime, o Clã do Leão, algures ao sul de Angola, num tempo que oxalá perdure incorrupto



imagem extraída de exposição, em Lisboa, do fotógrafo Sérgio Guerra

observações são bem vindas obrigado ;_)))





2 comentários:

hfm disse...

Belíssimo post!

Ana disse...

E se é sentir, pode ser em qualquer lugar, por um bocadinho de tempo...