2009-06-22

opusler


sobre leituras, vai um respigado de uma entrevista, publicada a 13 de Junho de 2009 no jornal "i", ao padre José Rafael Espírito Santo, o líder do Opus Dei em Portugal, realizada por um seu ex-aluno:

[perguntado se leu Saramago]

«Saramago? francamente, eu uma vez comecei a ler um livro de Saramago e desisti à segunda página.

Qual?
"O Memorial do Convento". Ali há uma intenção desde a primeira página de transmitir determinados conceitos. Vê-se como é uma distorção da realidade
.»

digamos que se algo pode distorcer a realidade é julgar um livro ao chegar à segunda página – eventualmente e para quem esteja de bom coração, a terceira página poderá proporcionar novos modos de ver!

certamente a leitura completa de um livro permitirá, além da indispensável visão de conjunto, conhecer melhor os conceitos transmitidos, o que eles representam e quanto deles se apresenta simbolicamente

precisamente para suscitar uma visita às linhas e entrelinhas que só amplia o poder benéfico da reflexão, em confronto pleno com as experiências (de vida e de leituras outras) do leitor

ainda quanto à leitura, a entrevista prossegue:


«Desencorajam a leitura de livros que ponham em causa a fé católica?
Qualquer pessoa que lê um livro convém que antes se informe. Procura-se aconselhar as pessoas que se informem e vejam se precisam de ler um livro que possa pôr em causa as suas convicções. A fé não é uma questão de inteligência. Há pessoas muito inteligentes que não têm fé e outras menos que têm.»

informar-se antes de ler?

jametinhasdito!

de facto a leitura é transformadora, dá a conhecer e faz reflectir, numa simbiose entre o que nos é mostrado pelo que está escrito e aquilo que a nossa reflexão íntima nos revela

estamos e não estamos sós na leitura, há uma orientação mas relevante é o papel destinado ao leitor

daí o perigo da leitura, para quem concebe o mundo sem a luz da livre revelação interior de cada um

então haverá uma entidade ou uns senhores, que sabem e dizem aos outros o que devem ler e o que devem não ler

como saber a quem e por quem é conferida semelhante autoridade?

e se a autoridade lhes advém de lerem livros só até à segunda página, o caso está muito enquinado, faltam a fé e a inteligência mas também a humildade, essenciais para uma aprendizagem mútua, construtiva e libertadora

como a que nos oferecem leituras múltiplas, diversificadas e abertas ao surpreendente



observações são bem vindas
;->>>



ps – instrutiva também é a leitura completa da entrevista, designadamente no que se refere ao excelente papel de parideira e dona de casa subidamente reservado às mulheres naquela obediência, coisa assim abaixo do medieval


4 comentários:

mariabesuga disse...

Pois... e a partir da quarta... e da quinta... e da sexta...

É importante chegar ao fim para julgar. Repito, para julgar. Porque, de resto, se não me apetecer só porque não estou para aí virada ou porque rejeito à partida, posso perfeitamente. Preciso é assumir que é só por isso. O Sr. padre prefere rodear a questão, aparentemente...

Ah... quanto a autoridade, tomam-na de quem lha confere e quem lha confere é porque aceita, e se aceita...

Mas no que respeita a Saramago, sou suspeita porque gosto dele, porque leio os livros que me interessam e a que já consegui "dar a volta"...

Um abraço

Anónimo disse...

Quem desistiu da leitura de um livro à 2ª página e afirma categoricamente que desde a primeira – possivelmente a única que leu completamente – existe uma intenção de transmitir determinados conceitos, mostra fundamentalmente uma coisa: que já tinha a cabeça pré-moldada contra o autor. Estava ele próprio cheio de pré-conceitos. Decerto possuía bem mais preconceitos do que o próprio escritor que, deduz-se pelas suas palavras, foi tão ingénuo que abriu o seu jogo logo nas duas primeiras páginas.
Esta afirmação do padre que lidera a Opus Dei no nosso país trouxe-me à memória montes de escritos que conheço, pela liberdade e contra a censura. Fui buscar um de alguém que há longos anos admiro: Bertrand Russell. São dele as palavras seguintes, redigidas já há cinquenta anos, com a sua consagrada abertura de espírito. Num trecho sobre religião, diz: "Quanto à espécie de crença, considera-se virtude ter fé – isto é, ter uma convicção que não pode ser abalada por prova contrária. Ou, se a prova contrária puder levar à dúvida, afirma-se que a prova contrária deve ser suprimida." Aí entra naturalmente a censura, que aliás o padre parece inegavelmente defender, ainda na triste tradição do índex librorum prohibitorum. "A convicção de que é importante crer-se nisto ou naquilo, mesmo que uma investigação livre não apoie a crença em apreço, é comum a quase todas as religiões e inspira todos os sistemas de educação estatais. O resultado disso é que o espírito dos jovens tende a ficar tolhido e cheio de hostilidade fanática tanto contra aqueles que possuem outros fanatismos, como, de maneira ainda mais virulenta, contra os que são contrários a todos os fanatismos." Hoje, passada que foi em grande medida a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, criou-se de pronto outro fanatismo contra os muçulmanos: o famigerado choque de civilizações. É evidente que questões de combustíveis vitais para a economia ocidental estão no cerne de toda essa animosidade, mas essa é outra história.
Quem tem esta visão censória da educação nunca pode ser um bom educador no sentido em que entendo a educação da sociedade aberta. É antes um endoutrinador. Só com certezas, sem dúvidas. Prefiro o Dante Alighieri, que dizia com simplicidade "Gosto tanto de saber como de duvidar."
jmco

susu disse...

Por acaso li este artigo (Porque em geral politica e religião... bem... afasto-me desses coisas muitas " geradores de conflitos e de guerras ") Mas enfim, li. E sinceramente a ler este artigo, quase joguei a página na sanita, furiosa! Parecia-me mesmo estar a ler a entrevista de um guru de uma seita ... com um Q.I. abaixo do zero e talvez com uma árvore genealógico em linha directa da inquisição!! Até perguntei-me como é que o " i " foi buscar esta ideia de pôr ai esta entrevista digna de um " mentecapto" !!!? >:(

candida disse...

eu tb li. parvoeiras perigosas de gente endinheirada.