2008-04-28

parabéns, Sr(a)

o Ditos dá os parabéns a José Vitor Malheiros, jornalista do Público e autor habitual de crónicas excelentes sobre o que realmente importa

os parabéns são devidos para além de qualquer aniversário, pela oportuna, inteligente e bem disposta denúncia do abuso de confiança que muitas entidades promovem à custa de dados pessoais a que acederam para finalidade comerciais, profissionais ou institucionais

na sua crónica - como o texto não está em linha, vai para a caixa de comentários - de 22 de de Abril, são referenciados comportamentos já rotineiros de fornecedores, empregadores e outros puxa-sacos, que não se enxergam e atrevem-se mal-educadamente a endereçar "parabéns" aos seus eventuais clientes, colaboradores, associados ou quem quer que seja que algum dia tenha facultado, para outros fins, a respectiva data de nascimento

aos processos automáticos, acrescem verdadeiros figurões, entre os quais dirigentes analfabetos que nem sabem usar o computador mas mandam a secretária endereçar correio electrónico a dar os parabéns em cumprimento burocrático-religioso de tacanha ancestralidade administrativista

os praticantes de tais modalidades, as automáticas e as de puro exercício de hirarquia, acreditam que ficam bem vistos, é a única explicação para o investimento, geralmente sem proveito algum

e como em regra não levam resposta - ou nem a admitem, a caixa de correio electrónica é só de expedição - aqui fica por vingança, especialmente para todo o verdadeiro puxa-saco das mensagens de aniversário, o agradecimento que merecem: obrigado por nada !


observacões são bem-vindas

2 comentários:

argumentonio disse...

José Vitor Malheiros, jornal Público de 22 de Abril de 2008

Esta crónica foi escrita especialmente para si


É estranho é que as empresas pensem que estes mails e estes SMS constituem uma "personalização" do seu serviço
O alarme avisa que chegou um SMS. "Parabéns José! O departamento de Recursos Humanos da tua empresa deseja-te um excelente aniversário!"
Ao longo do dia vão chegando outros SMS: "A sucursal Av. da Liberdade do Banco Industrial Português deseja-lhe um excelente aniversário", "O teu operador de telemóvel deseja-te um grande dia de anos e lembra-te que os SMS estão ainda mais baratos! É porreiro não é, pá?", "Costa e Cª vem exprimir a V. Exª os votos de um magnífico aniversário".
A caixa de mail também acumula votos. Há mensagens de restaurantes ("Estimado cliente, o restaurante sul-americano Chez Che deseja-lhe um feliz aniversário e espera poder contar brevemente com a sua presença"), lojas de roupa, livrarias, supermercados, clubes de vinho, cartões de crédito ("Exmo. Senhor Estamos consigo todos os dias, mas neste dia tão especial estamos ainda mais perto. Parabéns! Clique aqui" - ao clicar, salta-se para uma página Web com um cartão de boas festas animado, cheio de alegria, velas e coisas assim).
Como é que estas pessoas sabem todas que eu fiz anos? Alguns sabem porque me obrigaram a preencher um formulário com esses dados, como os bancos e as companhias de seguros. Outros sabem porque numa dada altura ficaram com uma fotocópia do meu BI. Há outros que compraram listas com dados pessoais e eu estava lá no meio, sem saber. Outros sabem porque eu lhes disse quando preenchi o pedido do cartão de sócio, do cartão de membro, cartão de aderente, cartão de filiado, cartão de acesso, cartão de débito, cartão de crédito, cartão-cliente, cartão-desconto, cartão-fidelidade e cartão-cartão. Outros sabem porque têm espiões que andam nos cafés e quando ouvem uma pessoa dar os parabéns a alguém, esperam que ela saia, encostam-se ao balcão e depois perguntam como quem não quer a coisa: "Faz anos? Sabe como é que ela se chama? Sabe onde é que mora?" São os filhos espirituais daqueles que durante o salazarismo andavam pelas leitarias para denunciar as pessoas que não tinham licença de isqueiros e viviam das comissões das multas. Agora trabalham para departamentos de marketing e em vez de bisbilhotar fazem estudos de mercado. É o progresso.
O que é estranho é que as empresas pensem que estes mails e estes SMS constituem uma "personalização" do seu serviço e que os seus clientes gostem de os receber. Estas mensagens impessoais, que são enviadas em massa por um programa de Customer Relationship Management instalado num servidor qualquer, sem que ninguém tenha a mínima interferência no processo, são consideradas "personalizadas". Haverá alguém que fique sensibilizado ao recebê-las? Haverá alguém que pense: "Que amores! A minha companhia de seguros lembrou-se que eu fazia anos! Com tantos clientes que eles têm, foi simpático lembrarem-se de mim!"
Antes dos computadores, isso teria sentido. Queria dizer que alguém escrevia num calendário as datas de aniversário de cada cliente e que se dava ao trabalho de lhe enviar um cartão, feito expressamente para si. Era, de facto, uma "atenção". Mas hoje não. A "personalização" é pura batota e todos sabemos isso.
A verdadeira personalização é aquela a quem essa simples designação causaria estranheza. A verdadeira personalização é na tasca do senhor Santos: "Hoje temos aqueles choquinhos à algarvia que o senhor gosta."
A verdade é que a esmagadora maioria das empresas que detêm estes dados o faz ilegitimamente: perguntaram aos seus clientes e estes, habituados a preencher este campo do formulário em documentos oficiais, nem sequer pensaram na razão da pergunta. Outras entidades precisam de saber a minha data de nascimento mas não me perguntaram (nem disseram) se a podiam usar para me assediar. E é de assédio que se trata.
A minha data de nascimento é uma informação privada, que diz respeito à minha vida privada, e só deve ser usada por outrem quando tal é indispensável e, inversamente, não deve ser usada quando tal não for indispensável. Chama-se respeito da vida privada. Ou boa educação.

Anónimo disse...

Li o texto no Público, e também gostei bastante.
Como sabe, António, o "especialmente para si" que desde há muitos anos alguns locutores de rádio usam - o iniciador foi o Joaquim Letria - vai no mesmo sentido.
Quanto ao uso de dados, estamos conversados. Deixamo-los em todo o lado e ficamos depois à mercê das listagens que são vendidas a um X por nome.
Já agora conto aqui uma pequena história real. Há uns 15 anos, decidi assinar uma revista americana gratuita (só voluntariamente é que ofereceríamos um donativo). De brincadeira, dei o meu endereço - de outra forma não receberia a revista em casa - mas, em vez do meu nome, dei o do gato que tínhamos cá em casa: Mitzi Garfield Lumbralles. Foi lindo! Passado cerca de um ano, o bom do Mitzi já recebia convites para assinar várias outras revistas e os encómios que lhe faziam ("como pessoa interessada em assuntos da actualidade", "dado o seu interesse por temas de carácter global") nas circulares que lhe enviavam provocavam boas risadas aqui em casa.
Este é um mundo que, admitamos, dá para sermos gozados e para gozarmos um pouco também.
jmco