2007-05-03
inocência à prova
no magnífico jornal gratuito a 1 centimo por cobrar, o director António Mendonça escreve Oje que "Só no caso de não conseguir prová-la é que, muito provavelmente, será declarado culpado." !
jametinhamdito !!
efectivamente, em Nota intitulada "Estado de Direito", o director do jornal Oje afirma o direito do arguido de "poder provar a sua inocência em Tribunal"
há de facto esse direito, no Estado de Direito
mas não é isso que distingue o Estado de Direito - e mal seria...
o que caracteriza o Estado de Direito é exactamente o contrário, isto é, nenhum cidadão tem que fazer prova da sua inocência
na realidade, é sempre muito difícil fazer "a prova da inocência" - facto negativo
por isso, o que o Estado de Direito veio assegurar é que a realização da Justiça exige antes a prova do crime (dos respectivos pressupostos, dos factos e da culpa) sem a qual prevalece a inocência e sem que o cidadão arguido se veja em situação de "provar" seja o que for
no caso do Estado português, a Constituição da República determina garantias e estrutura de processo criminal - cfr. Artigo 32º números 2 e 5
"Artigo 32.º
(Garantias de processo criminal)
...
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
...
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
A diferença é enorme: nos regimes policiais (o inverso do Estado de Direito) algumas normas permitiam a incriminação de quem não lograsse provar a sua inocência; diversamente, no Estado de Direito, quem acusa é que tem que provar a existência e prática efectiva dos factos, bem como a sua imputação ao arguido e a respectiva culpa, além da demonstração do seu enquadramento em lei penal prévia."
de outro modo não há crime
e o cidadão continua a ser, e bem, considerado inocente até prova - "positiva" dos factos de que é acusado
decorrentes dos preceitos constitucionais típicos do Estado de Direito, diversas normas legais consagram aspectos materiais e processuais que concretizam o princípio da presunção da inocência
por exemplo, o arguido tem o direito de não responder a perguntas, excepto quanto à sua identidade e, se for caso disso, antecedentes criminais
o respeito pelo silêncio e pela passividade do arguido é justamente resultado do primado da presunção de inocência que caracteriza o Estado de Direito - os acusadores que façam prova
no essencial, porém, e embora através de expressão imperfeita, a Nota do Director do jornal Oje pretende realçar a supremacia de legitimidade do Estado de Direito, assegurando que não se pode pedir a cabeça de cada um sem se provar o indispensável fundamento
razão porque a dita Nota, até prova em contrário, presume-se inocente!
; - )
observacões são bem vindas
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Li com interesse a sua explicação sobre a presunção de inocência de alguém que é chamado a tribunal. O estado de direito (rule of law) pressupõe exactamente isso, contrariamente ao que sucede na prática com Guantánamos e coisas quejandas. O ónus da prova recai sobre quem acusa - "entre o forte e o fraco a liberdade oprime, só o direito liberta" (estou a citar de cor). Contudo, é um facto que quando um político é chamado a depor perante a justiça, existe logo por parte da maioria da população uma ideia de que ele tem culpas no cartório (daí a designação de "poluítico", que se aceita geralmente sem rebuço).
É bom, António, que nos dê estas lições. Aprende-se sempre.
J.M. Carvalho Oliveira
Enviar um comentário