à parte a contribuição para o exagero de reacções inflamadas sobre a persistência de Saramago em arreliar fundamentalismos, cá vai uma palavrinha sobre as reacções ao lançamento, talvez excessivamente mediatizado, de "Caim"
de parte de católicos e judeus, apressaram-se diversos dignitários (José Tolentino de Mendonça, Ester Muznik, entre outros) a invocar a ignorância de Saramago quanto à matéria prima que trabalha em boa parte da sua obra literária, a Bíblia
com esse tipo de argumentos, procuram desvalorizar a análise, em torno do raciocínio de que um Nobel de literatura não assegura, de per se, grande credibilidade para a crítica de temas religiosos - aspecto que seria então reservado aos respectivos crentes e, provavelmente, de entre estes, aos mais doutrinados, proibindo ou inviabilizando todo o olhar exterior, no fundo fechando-se sobre si próprios, na inversão da espiral do conhecimento e da luz, e auto-proclamando-se exclusivos detentores da verdade
ora, a livre cidadania e a dignidade da pessoa humana, de todos e de cada indivíduo, autoriza sempre a crítica mas ela justifica-se mais quanto a verdades absolutas, de que alguns se arrogam detentores exclusivos
é claro que para os ditos dignitários é mais fácil (mas lamentável no plano intelectual) invocar a ignorância de Saramago - ponto aliás duvidoso, Saramago conhece a Bíblia bem melhor que muitos crentes e mesmo que muitos praticantes - do que aceitar rebater o seu ponto de vista ou entrar na desconfortável análise ponto a ponto das teses de Saramago, algumas irrefutáveis por simples recurso a observação e modesto entendimento: a Terra é imóvel?
aliás, nenhum dos contra-críticos jametinhadito ter lido (est)a obra de Saramago enquanto que Saramago declara (e demonstra) ter lido a Bíblia - o que mostra à contraluz os contornos da credibilidade para criticar face ao mero preconceito ou recusa do outro, da diferença ou pura e simplesmente da opinião livre
em resumo, na contenda, só Saramago parece buscar o esclarecimento
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1 comentário:
Das vezes que encontrei e fotografei Saramago neste último ano fiquei com uma certeza: o homem tem uma cultura e um sentido de humor bem acima da média. E nunca ninguém teria o desplante de escrever sobre um tema que tanto mexe com as consciências se não tivesse estudado bem a lição... até porque já não é a primeira vez que isto acontece... da outra vez foi um tal Sousa Lara que decidiu munir-se de um lápis azul... azul muito claro pelos vistos!
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