2009-05-16

fotografArte

O fotógrafo:

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia nem um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de Calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de Calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.

Manoel de Barros, in Ensaios Fotográficos, Record,2005

observações são bem vindas
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1 comentário:

susu disse...

Gostei muito deste texto :) e dessa tentativa de fotografar o silêncio ! Não conhecia o Autor mas deu-me vontade de ler mais! Vou ver se encontro esse livro ;)