2007-02-08

não ou sim

No DN de ontem, Vasco Graça Moura usa a sua habitual coluna para dar a sua opinião sobre o próximo referendo.

Jametinhadito que nem não nem sim, antes pelo contrário, fica tudo como está!

Em resumo, branco mais branco não há!!

No último Verão, a Visão editou um conjunto de pequenos contos, todos de preço acessível, leitura fácil e bom efeito, em qualquer época do ano.

O de Vasco Graça Moura ("Duas mulheres em Novembro", salvo erro) versava justamente o aborto. Narrava o reencontro de duas portuguesas, de classes sociais marcadamente diferentes, reunidas pelos acasos da vida numa clínica para efeito de ... pois claro, um aborto!

Azares, opções, percursos, expectativas, direitos, obrigações, consciências, (pre)juízo social, estima pessoal, mais a classe social, enfim, um caldo de razões e emoções, em diálogos escassos, económicos, entrecortados, calados, contidos, vingados, ressentidos, ressaltados e sobretudo uma boa dose de introspecção, reflexões na primeira pessoa do singular, à vez, sobrepostas, contrapostas, uma história bem escrita, algo cinematográfica mas no interior da mente de cada uma daquelas duas mulheres, tão diferentes, tão iguais, a mesma afinal.

Os contextos: entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, datas de virar de página e de páginas por virar, também em diálogos calados pelo escritor, também contrapostos e sobrepostos, como os mundos sonhados, rompidos e interrompidos em momentos cruciais da nossa história de há trinta e poucos anos, se bem que ainda assim carregada dos pesos do passado e do então futuro, com que ao fim e ao cabo ainda hoje nos debatemos - em véspera de mais um referendo, andamos à volta das mesmas razões de sempre, uma mais jurídicas que outras, muitas de fé, muitas de contrafé, muitas de má fé.

Fiquei, ao ler o dito conto, com a impressão de que naquela historieta se podiam ler várias oportunidades perdidas, de vidas individuais, de classes sociais, do país, da nação, e em especial da legislação sobre as condições em que tantas mulheres praticaram o aborto, durante muitas gerações, também as nossas gerações, certamente até às actuais gerações.

Os saltos revolucionários trouxeram a igualdade de direitos e a emancipação da mulher, na Constituição de 1976 e no Código Civil em 1977, o divórcio, o exercício do comércio, o voto, etc., mas não o aborto...

Nem tudo mudou, então...

Talvez a minha leitura tenha sido errada, abusiva, querida mais do que correctamente interpretada, afinal lida sem qualquer exegese, foi só a primeira impressão, era Verão, não havia campanha, os escritores podem ter razão antes de tempo, fora do tempo, o tempo todo - os leitores também !

Mas Vasco Graça Moura deu a volta à volta do assunto e voltou à mesma, para deixar tudo como está, cada vez lava mais branco...




observações são bem vindas

3 comentários:

Anónimo disse...

Governo deve tomar medidas em vez de pedir ao povo a solução

Não ! - Não à legalização do aborto através da falsa bandeira (engodo) da despenalização !

A despenalização do aborto é outra forma enganadora de combater o aborto. O número de interrupções de gravidez, no mínimo, triplicará (uma vez que passa a ser legal) e o aborto clandestino continuará - porque a partir das 10 semanas continua a ser crime e porque muitas grávidas não se vão servir de uma unidade hospitalar para abortar, para não serem reconhecidas publicamente.
O governo com o referendo o que pretende é lavar um pouco as mãos e transferir para o povo a escolha de uma solução que não passa, em qualquer uma das duas opções, de efeito transitório e ineficaz.
Penso que o problema ficaria resolvido, quase a 90 %, se o governo, em vez de gastar milhões no SNS, adoptassem medidas de fundo, como estas:

1 – Eliminação da penalização em vigor (sem adopção do aborto livre) e, em substituição, introdução de medidas de dissuasão ao aborto e de incentivo à natalidade – apoio hospitalar (aconselhamentos e acompanhamento da gravidez) e incentivos financeiros. (Exemplo: 50 € - 60 € - 70€ - 80€ - 90€ - 100€ - 110€ - 120€ -130€, a receber no fim de cada um dos 9 meses de gravidez). O valor total a receber (810€) seria mais ou menos equivalente ao que o SNS prevê gastar para a execução de cada aborto. (*)

2 – Introdução de apoios a Instituições de Apoio à Grávida. Incentivos à criação de novas instituições.

3 – Introdução/incremento de políticas estruturadas de planeamento familiar e educação sexual.

4 – Aceleração do "Processo de Adopção".


(*) Se alguma mulher depois de receber estes incentivos, recorresse ao aborto clandestino, teria que devolver as importâncias entretanto recebidas (desincentivo ao aborto). [Não sei se seria conveniente estabelecer uma coima para a atitude unilateralmente tomada, quebrando o relacionamento amistoso (de confinaça e de ajuda) com a unidade de saúde].

Estou para ver se os políticos vão introduzir, a curto prazo, algumas deste tipo de medidas. É que o povo, mais do que nunca, vai estar atento à evolução desta problemática.

Anónimo disse...

A ideia de idas mensais de mulheres grávidas a um determinado controle estatal para receberem 50, 60, 70, 80 euros ou um pouco mais parece-me tão ridícula como as quantias e toda a burocracia inerente.
O resto é lirismo puro. A introdução de "apoios a Instituições de Apoio a Grávidas" e o incremento "de políticas estruturadas de planeamento familiar e educação sexual" são itens sempre lançados para a frente nestas ocasiões dentro de um talvez bem intencionado wishful thinking. São posteriormente esquecidos. Aliás, o que existe é frequentemente mais criticado pela sua insuficiência do que pela sua existência.
De forma muito politicamente correcta, é sugerida a despenalização do aborto. Ora, esta despenalização é em certa medida uma forma de incentivar o aborto, que o leitor pretende evitar. Enfim, uma confusão de todo o tamanho. Mas sossegue, porque dentro de dias já estará tudo arrumado e, com a vinda dos dias bons de Primavera, o assunto em moda já será outro.
Já agora, conceder às mulheres a liberdade de decidir é algo que custa a engolir a espíritos não liberais, não é?

Júlio Pêgo disse...

Caro António:
Acabei mesmo agora de fafer um comentário à questão dao aborto. Perdeu-se...
De qualquer forma, parabéns pelo teu blogue e colocares questões de grande importância, à discussão e debate.
Abraço do Júlio