2015-06-09

Futuro


pois a blogosfera ainda respira e o Ditos está de volta à lide, à política e ao futuro!

pelo pensamento e pela escrita de Fernando Cardoso de Sousa, de quem já temos bem lido e melhor voltaremos a ler!!

obrigado!!!


O FUTURO CHEGOU CEDO DEMAIS?

Por Fernando Cardoso de Sousa

Vem este título a propósito do primado da revolução tecnológica sobre todos os outros aspetos da vida em sociedade, tal o fascínio de que se reveste, quer pelo seu grau de sofisticação, quer pela velocidade a que ocorre.
E porque eu me considero um dos beneficiados pelas novas tecnologias, pois se ainda cá estou é graças à biotecnologia e não sei como poderia viver sem o correio eletrónico e o smartphone, acho-me no direito de poder fazer uma análise a contraciclo. Assim, permito-me considerar que existem outros aspetos tão ou mais importantes que o tecnológico, relativamente a possíveis impactes e previsões que possamos fazer quanto ao futuro.
Primeiro temos o limite do próprio mercado, uma vez que o desenvolvimento tecnológico não é o problema. O problema são dois: um é conseguir vender a tecnologia e o outro é evitar que ela se torne um mal em si própria. Com efeito a crise alterou as variáveis em jogo e nenhuma entidade, pública ou privada, pode pensar em investir continuamente em tecnologia sem pensar no retorno. Por outro lado, sentimos que a evolução tecnológica é fonte de aumento de desigualdade e das ameaças à sobrevivência do planeta. E, se bem que tal aconteça com graus de intensidade muito diferentes consoante a região e o setor industrial tratado, o resultado geral não deixa de ser preocupante, quando deveria ser exatamente o contrário a acontecer.


É ao olharmos para a sociedade civil, para o Estado e para as instituições, fontes de toda a construção coletiva e da felicidade humana, que o deslumbramento tecnológico se desvanece mais, perante a perceção do aproximar de uma fase de destruição que julgávamos eliminada, face ao grau de civilização pretensamente atingido através da tecnologia. Basta pensarmos no aumento impressionante das possibilidades de comunicação e de ligação virtual, em paralelo com o desagregar do coletivo e com o isolamento crescente do indivíduo, para vermos que as coisas estão longe de estar equilibradas. E este paradoxo é igualmente evidente quando, por um lado, demonstramos a nossa tolerância – prova irrefutável de evolução - a favor do politicamente correto, como as causas ambientais ou o casamento entre homossexuais; e, por outro, estamos cada vez mais intolerantes às crenças e opiniões dos outros, o que dificulta muito sermos capazes de levar a cabo projetos coletivos. No limite, aquilo que de mais importante possuíamos como legado à humanidade e prova de grau civilizacional – a democracia e a liberdade associada – aparecem postas em causa, só que, desta vez, sob formas destrutivas mais sofisticadas e difíceis de entender.
Com efeito, dantes tudo nos parecia mais objetivo e era possível identificar claramente os inimigos, materializados na oposição política Este-Oeste, ou em formas de governo ditatoriais. Com a queda do Muro e o 11 de setembro, tudo se alterou. De repente o inimigo está em todo lado e em lado nenhum e, graças à evolução tecnológica, aquilo que se passa muito longe, na televisão, está, de repente, à nossa porta.
É certo que, pelo menos em Portugal, parecemos unir-nos em volta de iniciativas de apoio social e empresarial mas, por mais estranho que pareça, tal não acontece com a participação nas decisões que influenciam as nossas vidas, como seria de esperar numa época em que a democracia, a liberdade e as possibilidades de comunicação indiciam precisamente o contrário. Cada vez estamos mais longe da vida política e os poucos 8%,(segundo John Keane, em “Life and Death of Democracy) que ainda se sentem representados pelos partidos ficarão reduzidos a quase nada à medida que as soluções alternativas se revelarem ineficazes. Claro que as razões são muitas e a culpa é sempre “dos outros” mas o que é verdade é que o afastamento é nosso e o virtual da tecnologia apenas cria uma ilusão de participação e ajuda na descoberta das várias corrupções, hoje mais difíceis de esconder mas que ocorrem numa escalada inimaginável, criando um fosso abissal entre ricos e pobres. Este flagelo do séc. XXI é muito discutido e polemizado mas, tirando uns quantos exemplos apanhados na teia dos tribunais, toda a restante ação que executamos para repor a ética social, a igualdade e a paz é, fundamentalmente, virtual e, portanto, quase inútil em termos de ação.
É claro que temos exemplos de que nos orgulhamos, como o da Islândia, no passado recente, quando o povo tomou o destino da nação nas suas mãos. Também temos os inúmeros exemplos da nossa história, em que elites da classe média venceram os poderes instituídos. Só que, agora, e mesmo que fosse para além do virtual, como poderíamos nós imaginar uma luta contra os poderes da democracia para… repor a democracia?
Sendo indiscutivelmente a expressão mais evidente da democracia, os partidos que têm partilhado o poder profissionalizaram-se e corporativizaram-se, criando uma moral própria e tornando secundários os objetivos nacionais que, supostamente, deviam servir. O seu trabalho principal consiste, assim, na demonstração de que a sua razão é maior que as dos outros e no desenvolvimento de mordomias que garantam as fidelidades de que necessitam para intermediar os negócios importantes e a conquista de melhores empregos e de visibilidade na comunicação social, com que premeiam os escolhidos. E como sabem perfeitamente que a sociedade civil não se tem mostrado capaz de se organizar, por forma a constituir-se como poder alternativo, basta-lhes saberem que o virtual como os reality shows é suficiente para manter as atenções de uma fatia significativa do eleitorado. Por isso podem perfeitamente manter a linguagem publicitária tradicional das promessas de futuro e ataques aos adversários, sem terem de mudar nada na realidade democrática, sobretudo algo suscetível de aumentar a participação dos cidadãos na tomada de decisão, quer colocando a competência à frente da fidelidade partidária, quer favorecendo a existência de coletivos organizados e independentes para o desenvolvimento das comunidades.
A degradação da vida pública é, assim, inevitável e a única esperança é a ocorrência de uma rotura, interna ou externa, que mobilize os cidadãos, como já aconteceu várias vezes da nossa história. Talvez, também, possamos ir entendendo melhor que as soluções não passam pelo aumento do número de partidos mas sim no aumento do nosso grau de colaboração uns com os outros no desenvolvimento de projetos coletivos.
A união contra algo é temporária e desgastante, em termos do aumento do conflito e da fragmentação social. Só a união em favor de algo nos pode voltar a educar no sentido da tolerância – única forma de evitarmos a autodestruição. O ideal seria conseguirmos isso com a quase ausência de violência na luta contra o poder, que fez de nós um exemplo a seguir com o 25 de Abril. E gostaríamos até de pensar que as gerações que já experimentaram a guerra e a ditadura poderão levar os mais jovens a não caírem em tentação. Mas não fazemos ideia se ainda há tempo para isso acontecer, ou se os mais velhos acabarão, apenas, por ficar cada vez mais amargurados e incapazes de conviver com a realidade que se vai formando.
Por isso, a nossa questão principal de futuro nunca será a tecnológica mas sim a civilizacional.




observações são bem vindas, obrigado ;_)))