2009-01-29

sim, é possível

mas é muito difícil, como sempre foi

após o contagiante entusiasmo de uma nova linguagem construída a sensatez e esperança, Barack Obama venceu sucessivamente a crise do Partido Democrata e as eleições presidenciais dos EUA, uma dura prova disputada em quase todo o mundo

de facto, à excepção do alçapão de extremados preconceitos de certas regiões do mundo árabe, a alta cotação eleitoral de Obama sentia-se por quase todo o planeta, como aliás a eleição americana interessou muitos cidadãos do globo inteiro, mesmo em regiões onde a realização de eleições é ainda miragem - e em alguns casos mais dramáticos tentam mesmo mudar as leis para se perpetuarem no poder...

é também de reconhecer que parte do interesse provinha da ânsia do despedimento de Bush, mas até neste caso importa assinalar que muitos dos descontentes alvoroçados não podem celebrar em casa a rotação da liderança política no seu país ou região

a magia contagiante de Obama assentou em boa medida na simplicidade, justeza e eficácia do seu pensamento, retórica e imagem: mestiço afro-americano, apresenta credenciais simultâneas de juventude e patriotismo fundador, além de cativante propensão para o diálogo, incluindo inter-religioso mas sem fraquejar no relevante aviso à navegação aos líderes do fanatismo: "... serão lembrados pelo que forem capazes de construir e não pelo que destruirem", declarou!

mas a chave máxima foi o sonoro e proclamatório "Yes, we can"!!

simples, directo, claro, justo e forte: é possível fazer melhor, viver melhor, num mundo melhor!!!

como seria de esperar, o slogan contagiou muitos americanos e não americanos, cidadãos e... políticos

e é bom que assim seja, a adesão justifica-se, tanto mais em época de crise de (auto)confiança, com problemas financeiros, económicos e sociais por toda a parte, guerras por toda a parte, desesperança por toda a parte, incluindo o ameaçador desequilíbrio energético e ambiental do planeta

natural é, pois, que tão impressionante slogan integre sem demora o imaginário de todos e o vocabulário de muitos, assim acontece amiúde em política, nas civilizações em geral e na dança a par e passo do pensamento e da linguagem

com reconhecido sentido de antecipação, o partido comunista português já se apropriou do sentido alquímico, transformador e agregador, da mensagem e do slogan de Obama

para tal, usa a expressão "sim, é possível", frequente "tradução" para língua portuguesa, agora espalhada em cartazes de propaganda partidária com que as oposições anunciam a época eleitoral - do que acusam o Governo e o partido no poder, pois o mal é sempre dos outros

esta frase supera uma certa dificuldade da tradução mais literal, já que "sim, nós podemos" é bem menos expressivo que "sim, é possível"

mas as diferenças, embora não propriamente idiossincráticas também não são apenas de semântica: Obama inclui, envolve e co-responsabiliza todos com o "we", enquanto o "é", do "sim, é possível" português e agora comunista elide o sujeito, tira-nos da acção, parece que deixa em suspenso quem é que deve garantir a "possibilidade", a mudança, o mundo melhor...

parece equivalente, mas não é

cria um vazio

a participação do eu é omissa, falta a contribuição da união necessária, a conjugação de muitos "eus", o uníssono do "nós", a responsabilidade não dos outros mas nossa, não apenas dos líderes mas dos cidadãos, não apenas dos candidatos e eleitos mas dos eleitores, incluindo os demissionários absentistas, quantas vezes em superioridade numérica de maciça, desmotivada e desmotivadora abstenção

e depois, a graça do PCP tem que se lhe diga: a evidente colagem é oportunista (o que caracteriza todo o espectro partidário, infelizmente) mas também falseadora: Obama não é comunista, bem pelo contrário, e o PC português apenas cavalga a dinâmica de vitória, desde o primeiro momento e com interesseira esperteza

aliás, não é só Obama que não é comunista, também entre os seus eleitores só muito residualmente haverá comunistas, como também o comunismo é hoje residual no mundo, confinando-se às cada vez mais periclitantes experiências norte-coreana e cubana, após a revelação e consequente desabamento do colossal embuste que foi a hegemonia soviética nos países da cortina de ferro e alguns mais sob trágica influência russa até cair o muro de Berlim

daí ser importante desmascarar o oportunismo do PC: sim, é possível? jametinhasdito!

possível é, mas não assim!!

agora oxalá desta vez a onda de alecrim chegue depressa do outro lado do Atlântico!!!




observações são bem vindas
;->>>

4 comentários:

Anónimo disse...

Na América, não foi a cor da pele da pessoa que é o Presidente do país que mudou; foi principalmente a cor do discurso e, até ver, a cor da acção. Até onde será possível? O extraordinário de Obama, dizia um comentador ainda antes de ele ser eleito, não eram as palavras mas o olhar. Este, como que buscava inspiração num mundo idealizado, o qual seria o seu teleponto. É aqui que Obama entronca com Martin Luther King e foi isso que levou tantos americanos atrás do sonho. Um sonho concreto. Decidido, corajoso. Em certos momentos, o seu discurso lembrou-me o que tenho lido sobre Santo António quando ele não hesitava em erguer a sua voz contra os que atacavam a Igreja. Por isso ficou para a história - não a portuguesa, que o efeminou e lhe retirou esta característica - como "o martelo dos hereges". Obama disse no seu discurso de tomada de posse algo que funciona como este martelo dos hereges: "O que os cínicos não conseguiram ainda compreender foi que o chão se abriu debaixo dos seus pés e que os argumentos políticos caducos que nos consumiram durante tanto tempo deixaram de fazer qualquer sentido." É o discurso ético por excelência, António. São os valores pelos quais clamamos há tanto tempo que são referidos aqui. É um discurso religioso, se quisermos, mas de crença mais no homem novo do que propriamente em Deus, embora este esteja presente.
Quanto à cópia do slogan pelo P.C., não considero nada relevante. Toda a gente nota que é uma colagem. Cínica, se quisermos. Contudo, para sermos correctos, lembremos que em 2004, aquando das finais do campeonato europeu de futebol disputado em Portugal, a Canon, um dos grandes patrocionadores, tinha como slogan: "You can." (Aproveitava a palavra da marca, como é evidente.)
Mas o que interessa não são as palavras. São os actos que se lhes devem seguir. É o "res, non verba", já tão antigo. Se a ética prevalecer - e numa América com uma religiosidade mais sentida que na Europa isso será mais possível - o buárquico cheirinho a alecrim é capaz de se transatlanticar, António. Entretanto, porquê esperar e não pensarmos também "yes, we can"? Temos óptimo terreno para produção de alecrim. Deixamos, no entanto, que sejam as azedas a crescer. É uma pena.
jmco

Anónimo disse...

São fantásticos os vossos pensamentos aqui expressos. Eu dei por mim não sei bem se acreditar na figura de Obama e no que ele representa se no movimento de simpatia e esperança que criou à volta desta eleição e dele próprio. Já não acontecia há muito tempo.

Sofá Amarelo disse...

Sim, é possível e até muito provável que este seja um dos textos mais bem escritos e oportunos que li nos últimos tempos... sim, é possível que soprem ventos de alecrim mas acho que depois desta crise o mundo nunca mais voltará a ser o mesmo!

E o que mais me admira: então, com tantos iluminados por esse mundo fora não houve ninguém que previsse o que se está a passar? Acho que a Humanidade e os senhores do mundo andam a dormir, tão ocupados estão com os seus próprios botões dourados... e começou o princípio do fim...

argumentonio disse...

he he...

gratíssimo pela partilha de tão ditosos pensamentos e bondosos aditamentos, o Ditos adianta uma ligeiríssima rectificação: melhor observado o dito cartaz, falta-lhe a vírgula, pois está escrito «sim é possível», enquanto o post erradamene acrescentou uma desejável mas apenas suposta pausa entre o "sim" e o "é possível"

enfim, minudências... reiterando embora que ao PC falta bem mais que uma vírgula

já agora, também seria de exclamativizar a plagiosa expressão!

mas reconheça-se que maiúsculas, vírgulas, tremas ou acentuação em geral e outros momentos de pontuação, retiram fluidez à escrita, sobretudo em certos formatos mais práticos e direccionados à celeridade da comunicação!!

e ala, que se faz tarde!!!