pois a blogosfera ainda respira e o Ditos está de volta à lide, à política e ao futuro!
pelo pensamento e pela escrita de Fernando Cardoso de Sousa, de quem já temos bem lido e melhor voltaremos a ler!!
obrigado!!!
O FUTURO CHEGOU CEDO DEMAIS?
Por
Fernando Cardoso de Sousa
Vem este
título a propósito do primado da revolução tecnológica sobre todos os outros
aspetos da vida em sociedade, tal o fascínio de que se reveste, quer pelo seu
grau de sofisticação, quer pela velocidade a que ocorre.
E porque eu me
considero um dos beneficiados pelas novas tecnologias, pois se ainda cá estou é
graças à biotecnologia e não sei como poderia viver sem o correio eletrónico e
o smartphone, acho-me no direito de
poder fazer uma análise a contraciclo. Assim, permito-me considerar que existem
outros aspetos tão ou mais importantes que o tecnológico, relativamente a
possíveis impactes e previsões que possamos fazer quanto ao futuro.
Primeiro temos
o limite do próprio mercado, uma vez que o desenvolvimento tecnológico não é o problema.
O problema são dois: um é conseguir vender a tecnologia e o outro é evitar que
ela se torne um mal em si própria. Com efeito a crise alterou as variáveis em
jogo e nenhuma entidade, pública ou privada, pode pensar em investir continuamente
em tecnologia sem pensar no retorno. Por outro lado, sentimos que a evolução
tecnológica é fonte de aumento de desigualdade e das ameaças à sobrevivência do
planeta. E, se bem que tal aconteça com graus de intensidade muito diferentes
consoante a região e o setor industrial tratado, o resultado geral não deixa de
ser preocupante, quando deveria ser exatamente o contrário a acontecer.
É ao olharmos
para a sociedade civil, para o Estado e para as instituições, fontes de toda a
construção coletiva e da felicidade humana, que o deslumbramento tecnológico se
desvanece mais, perante a perceção do aproximar de uma fase de destruição que
julgávamos eliminada, face ao grau de civilização pretensamente atingido
através da tecnologia. Basta pensarmos no aumento impressionante das
possibilidades de comunicação e de ligação virtual, em paralelo com o
desagregar do coletivo e com o isolamento crescente do indivíduo, para vermos
que as coisas estão longe de estar equilibradas. E este paradoxo é igualmente
evidente quando, por um lado, demonstramos a nossa tolerância – prova
irrefutável de evolução - a favor do politicamente correto, como as causas
ambientais ou o casamento entre homossexuais; e, por outro, estamos cada vez
mais intolerantes às crenças e opiniões dos outros, o que dificulta muito
sermos capazes de levar a cabo projetos coletivos. No limite, aquilo que de
mais importante possuíamos como legado à humanidade e prova de grau civilizacional
– a democracia e a liberdade associada – aparecem postas em causa, só que,
desta vez, sob formas destrutivas mais sofisticadas e difíceis de entender.
Com efeito,
dantes tudo nos parecia mais objetivo e era possível identificar claramente os
inimigos, materializados na oposição política Este-Oeste, ou em formas de
governo ditatoriais. Com a queda do Muro e o 11 de setembro, tudo se alterou.
De repente o inimigo está em todo lado e em lado nenhum e, graças à evolução
tecnológica, aquilo que se passa muito longe, na televisão, está, de repente, à
nossa porta.
É certo que,
pelo menos em Portugal, parecemos unir-nos em volta de iniciativas de apoio
social e empresarial mas, por mais estranho que pareça, tal não acontece com a
participação nas decisões que influenciam as nossas vidas, como seria de
esperar numa época em que a democracia, a liberdade e as possibilidades de
comunicação indiciam precisamente o contrário. Cada vez estamos mais longe da
vida política e os poucos 8%,(segundo John Keane, em “Life and Death of Democracy”) que ainda se
sentem representados pelos partidos ficarão reduzidos a quase nada à medida que
as soluções alternativas se revelarem ineficazes. Claro que as razões são
muitas e a culpa é sempre “dos outros” mas o que é verdade é que o afastamento
é nosso e o virtual da tecnologia apenas cria uma ilusão de participação e ajuda
na descoberta das várias corrupções, hoje mais difíceis de esconder mas que
ocorrem numa escalada inimaginável, criando um fosso abissal entre ricos e
pobres. Este flagelo do séc. XXI é muito discutido e polemizado mas, tirando uns
quantos exemplos apanhados na teia dos tribunais, toda a restante ação que
executamos para repor a ética social, a igualdade e a paz é, fundamentalmente,
virtual e, portanto, quase inútil em termos de ação.
É claro que
temos exemplos de que nos orgulhamos, como o da Islândia, no passado recente, quando
o povo tomou o destino da nação nas suas mãos. Também temos os inúmeros
exemplos da nossa história, em que elites da classe média venceram os poderes
instituídos. Só que, agora, e mesmo que fosse para além do virtual, como poderíamos
nós imaginar uma luta contra os poderes da democracia para… repor a democracia?
Sendo
indiscutivelmente a expressão mais evidente da democracia, os partidos que têm
partilhado o poder profissionalizaram-se e corporativizaram-se, criando uma
moral própria e tornando secundários os objetivos nacionais que, supostamente,
deviam servir. O seu trabalho principal consiste, assim, na demonstração de que
a sua razão é maior que as dos outros e no desenvolvimento de mordomias que garantam
as fidelidades de que necessitam para intermediar os negócios importantes e a
conquista de melhores empregos e de visibilidade na comunicação social, com que
premeiam os escolhidos. E como sabem perfeitamente que a sociedade civil não se
tem mostrado capaz de se organizar, por forma a constituir-se como poder
alternativo, basta-lhes saberem que o virtual como os reality shows é suficiente para manter as atenções de uma fatia
significativa do eleitorado. Por isso podem perfeitamente manter a linguagem publicitária
tradicional das promessas de futuro e ataques aos adversários, sem terem de mudar
nada na realidade democrática, sobretudo algo suscetível de aumentar a
participação dos cidadãos na tomada de decisão, quer colocando a competência à
frente da fidelidade partidária, quer favorecendo a existência de coletivos
organizados e independentes para o desenvolvimento das comunidades.
A degradação
da vida pública é, assim, inevitável e a única esperança é a ocorrência de uma
rotura, interna ou externa, que mobilize os cidadãos, como já aconteceu várias
vezes da nossa história. Talvez, também, possamos ir entendendo melhor que as
soluções não passam pelo aumento do número de partidos mas sim no aumento do
nosso grau de colaboração uns com os outros no desenvolvimento de projetos
coletivos.
A união contra
algo é temporária e desgastante, em termos do aumento do conflito e da
fragmentação social. Só a união em favor de algo nos pode voltar a educar no
sentido da tolerância – única forma de evitarmos a autodestruição. O ideal
seria conseguirmos isso com a quase ausência de violência na luta contra o
poder, que fez de nós um exemplo a seguir com o 25 de Abril. E gostaríamos até
de pensar que as gerações que já experimentaram a guerra e a ditadura poderão
levar os mais jovens a não caírem em tentação. Mas não fazemos ideia se ainda
há tempo para isso acontecer, ou se os mais velhos acabarão, apenas, por ficar
cada vez mais amargurados e incapazes de conviver com a realidade que se vai
formando.
Por isso, a
nossa questão principal de futuro nunca será a tecnológica mas sim a
civilizacional.
observações são bem vindas, obrigado
;_)))