2009-04-26

25 de Abril, a 35 anos de luz

privilégio do Ditos, transcreve-se artigo de um participante dos revolucionários acontecimentos de 25 de Abril de 1974 que mantém um olhar atento e, com espírito de partilha, análise crítica e esperança, exprime o sentido das suas vivências e autorizadas observações


25 de Abril: Como se viveu e como se vive hoje

Por Fernando Cardoso de Sousa
Tenente-coronel reformado
Professor universitário

Para quem, como eu, viveu os momentos únicos do dia 25 de Abril de 1974, resulta gratificante reter imagens como a da transformação de um golpe militar numa revolução popular, com o entusiasmo com que toda Lisboa veio à rua saudar os militares, agitando cravos, vindos não se sabe donde, e celebrar uma festa da paz que inspirou todo o mundo.
Para quem viu o fim da guerra de África, da PIDE e dos seus informadores; do sistema de partido único e do medo de falar abertamente; da discriminação sobre a mulher e sobre os mais desfavorecidos; da impossibilidade de acesso à educação, à justiça, à saúde, pela maior parte dos portugueses; da vergonha de ser português em terra estrangeira… Para todos os que viram tantas outras transformações que, num ápice, mudaram por completo a face do país, esse (o do 25 de Abril) foi o tempo da descoberta, da entrega e da solidariedade.
Para quem, como os que nasceram depois dessa data, não faz ideia do que foi o 25 de Abril, nem o antes dessa data, nem o que significa não poder ser diferente; e que só sabe que não consegue emprego e que não tem um futuro assegurado; que assiste à deterioração da vida política e à corrupção das elites; que vê acentuar-se o primado do dinheiro, do consumismo, do fosso entre ricos e pobres e o aumento da pobreza, do desemprego, da toxicodependência e da violência... Para esses, o que é isso do 25 de Abril e da liberdade? Qual o valor da livre expressão se tantas vezes se vê dizer e fazer coisas erradas, com total impunidade?
É aqui que nós perguntamos qual a importância dos jovens não conhecerem os nomes das figuras principais do Estado Novo, ou da Revolução; não perceberem o interesse das comemorações que se insiste em fazer todos os anos; não quererem ouvir mais falar do Tarrafal, dos horrores da guerra, ou do valor da liberdade. Nós, diga-se em abono da verdade, não sabemos o que responder; não sabemos utilizar o 25 de Abril para explicar o presente e projectar o futuro. Não sabemos explicar a quem tem tudo o que é não ter nada?
E, talvez, tenha sido esse o grande mal dos que viveram o 25 de Abril: não terem cuidado de dar aos mais novos as dificuldades e a companhia de que necessitavam para poderem saber o valor de uma liberdade que se educa e se conquista, em vez do vazio de uma liberdade indiferente e irresponsável.
Não nos vão agradecer termos-lhes dado coisas demais e companhia de menos, pois estávamos demasiado ocupados a aproveitar a liberdade que tínhamos conquistado.
Só depois, quando também eles tiverem de lutar para conquistar a liberdade; só nessa altura se lembrarão de nós e festejarão então o 25 de Abril.
Poderão fazê-lo sozinhos, ou talvez ainda possamos fazer, com eles, uma democracia melhor do que a que conquistámos.


observações são bem vindas
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1 comentário:

Anónimo disse...

O problema que o coronel coloca não é de resolução fácil porque a vida está num fluir constante, tanto cronológico como de gerações. “Não podemos mergulhar duas vezes na mesma água do rio” terá dito Heráclito. A mudança constante das coisas faz-nos muitas vezes esquecer que aquilo que queremos da geração seguinte – comunhão dos “nossos” anseios – foi algo que, naturalmente, nós não respeitámos relativamente à geração anterior. É verdade que há factos que será sempre pedagógico recordar – a falta de liberdade de expressão, a censura, a prepotência das autoridades, a infernal hegemonia dos grandes eleitos pelo regime, a cobertura dada ao regime pela Igreja, e tantas outras coisas nefastas que se foram acumulando ao longo de décadas. Mas viver essas coisas é muito diferente de ouvir falar sobre elas. A juventude pensa no seu presente, como sempre pensou, e no seu futuro. O passado dos pais e dos avós já era.
Logicamente, temos de admitir que se a liberdade existe, eu não vou lutar por ela. Mas vou lutar por aquilo que considero injusto que não haja: empregos, por exemplo. Propinas gratuitas ou meramente simbólicas. Cursos que preparem de facto para a vida e não sejam simples verbos de encher. Facilidades de arrendamento ou compra de habitação.
O rio da vida pode ser visto a girar como a roda de um carro. Apesar de o fenómeno não ser visível num pneu de automóvel, é óbvio que se os raios da roda de um coche estiverem adornados com figuras alegóricas, estas girarão continuamente e se agora estiver a Prudência em cima e a Liberdade em baixo, passado algum tempo será a Justiça a ocupar a posição mais baixa e a Glória a tomar a posição superior. Etc., etc.
O coronel tem alguma razão no que diz, mas se ama a liberdade tem que admitir a liberdade para os jovens pensarem nos problemas que os afligem e sobre eles se manifestarem.
Enfim, António, este é um assunto que daria pano para mangas.
(Estou a repescar alguns dos seus posts, pois estive fora do país alguns dias.) jmco