2007-10-03

obviar à razão

o Sr. Director da Polícia Judiciária exarou a cessacção da comissão de serviço de um Sr. Inspector destacado no Algarve para ivestigar o desaparecimento de uma criança

interpelado, comunicou que tomou tal atitude por "razões óbvias" ...

razões óbvias ?

jametinhasdito!

venham de lá as razões e bem explicadas

para se saber e para legitimar a decisão

mas também para a poder sindicar

eis o racional democrático da obrigação de fundamentação dos actos da administração pública

era o que faltava se qualquer funcionário público se abstivesse de justificar as respectivas decisões, com efeitos na esfera do erário público, recorrendo a uma fórmula vazia e alheada do interesse dos cidadãos em geral e dos interessados no processo em particular

Humebrto Delgado proclamou celebremente um distinto "obviamente, demito-o" dirigido ao afastamento de Salazar em caso de vitória da democracia por via eleitoral - o que não sucedeu por fraude do ditador

mas esse "obviamente" tem natureza política e justifica-se inteiramente no campo da disputa eleitoral, sobretudo onde a censura obrigava ao recurso a subentendidos e meias palavras, sob pena de corte por acção de zelosos revisores do lápis azul

naturalmente, se Delgado tivesse ganho, a óbvia demissão do apegado Presidente do Conselho teria que ser fundamentada

desde logo em norma habilitante, de onde provém a indispensável competência para o acto

e depois pela indicação da razão de ser da decisão, a menos que coubesse dentro da margem de arbítrio - que não de arbitrariedade - que a lei ou a Constituição conferem a certos actos políticos - mas não aos actos de administração, como é o caso da nomeação ou desnomeação de um funcionário em determinada comissão de serviço

há dias, Luís Amado, Ministro dos Negócios Estrangeiros, também invocou "razões óbvias" para justificar a decisão do Governo não receber o Dalai Lama, líder espiritual do budismo tibetano

trata-se igualmente de uma fuga à explicação, decerto controversa, inteiramente imputável a patente manobra de cinismo político muito ususal, aliás, no campo das relações políticas internacionais, como é precisamente o caso uma vez que o dito mal recebido também se apresenta como líder da resistência tibetana à ocupação chinesa e Portugal desempenha actualmente a presidência da União Europeia

mas essa gincana ministerial cabe dentro do arbítrio admitido aos políticos, que são julgados por via eleitoral e da opinião pública, uma vez sujeitos à crítica da oposição, dos grupos de interesse em presença, da comunicação social e dos cidadãos em geral ou mesmo da acção moderadora de outros órgãos de poder, através do sistema democrático de balanços e contrapesos - e Jaime Gama, na qualidade de segunda figura do Estado que decorre das funções de Presidente da Assembleia da República, recebeu o Dalai Lama !

ou seja, aos políticos fica mal recorrerem à fórmula vazia para descartarem o inconveniente de uma justificação ou da falta dela

mas podem agir assim, submetidos que estão ao crivo da popularidade, da opinião de adversários ou comentadores e do voto de cada um nas eleições seguintes

já aos agentes administrativos do Estado, Regiões ou Autarquias é inconcebível semelhante comportamento, sob pena de ilegalidade, desresponsabilização e perpetuação da mediocridade

é que as razões óbvias podem não ser assim tão óbvias

e podem até não ser sequer razões

se o fossem, a explicação seria natural, espontânea e acessível à livre interpretação de todos

com a explicitação das razões, o demitido poderá defender-se, justificar-se ou aprender em caso de erro

e faltará sempre a pedagogia pois os funcionários vindouros que o substituírem no cargo terão balizado o comportamento e o desempenho que se espera e exige, o mesmo se aplicando a agentes com idênticas funções ou sujeitos a exigências análogas

caso não apareçam as explicações e as razões, óbvias ou não, a suspeição recai sobre o decisor e ficam por julgar, à falta de elementos de apreciação, o desempenho ou os resultados que deveriam estar sob exame crítico

e sem crítica informada e livre não há cidadania nem Estado de Direito



observacões são bem vindas

2 comentários:

Anónimo disse...

Desta vez não sei se concordo consigo, António. Tenho a certeza (quase absoluta) de que quando o Alípio Ribeiro exarou o despacho de cessação da comissão de serviço do inspector X encarregado do "caso Maddie", ele não escreveu "por razões óbvias". Terá certamente descrito as razões que o levaram a tomar essa decisão. Porém, quando interpelado pela TV ou por outros jornalistas dos media, terá respondido sucintamente "por razões óbvias", o que é uma maneira rápida de despachar o assunto. Como as palavras que se dizem aos microfones fazem muitas vezes parangonas, é relativamente comum dar respostas deste tipo quando não se pode dizer "Não confirmo nem desminto." No fundo, o Alípio não fez cessar a comissão de serviço do inspector quanto falou para os jornalistas, mas sim quando escreveu e assinou o despacho. Se o inspector quiser defender-se, terá que recorrer ao despacho e não às palavras que o director da PJ disse aos media.
Um abraço. (jmco)

argumentonio disse...

o que se pretende é que os responsáveis cumpram o seu dever de explicar as suas decisões, em termos intelegíveis para a generalidade dos cidadãos, em linguagem clara e compreensível, sem presunções nem tecnicismos e acima de tudo sem subterfúgios

que se saiba nunca a audiência das rádios e televisões espera que os responsáveis lhes apresentem os suportes burocráticos em que se registam as decisões administrativas

os papéis e carimbos são dispensáveis e até perniciosos para o efeito relevante

o que se quer é a fundamentação material, o motivo, a razão de ser da decisão

resta saber se havia efectivamente despacho exarado, formalizado e circdunstanciado no momento em que o Director informou a comunicação social

o facto de então o visado não ter sido ainda informado faz desconfiar que assim fosse

mas o objecto de crítica não é o grau de correcção jurídica do formalismo, instantâneo ou a posteriori

a realidade é que o país merece bem melhor que ser despachado despachado na soberba própria da incompetência

se o problema são as parangonas, que dizer da decisão de demissão de um funcionário por causa de ... parangonas ?

como o Director expressamente confessou, o visado não foi ouvido para a decisão e este já afirmou que não proferiu tais declarações

como aliás é mais do que provável terem eventuais conversas do inspector sido deturpadas pela comunicação social ... inglesa

mas entre o seu funcionário e as paragonas da comunicação social inglesa o Director optou sem hesitação

e quer que os cidadãos percebam a atitude sem descer a terreiro com a devida explicação, o que parece merecedor de reparo

se as linhas de investigação do caso concreto mudarem de figura, se enlearem ou estagnarem, obviando a resultados na eralização da justiça, a posição inqualificável do Director ficará à vista de todos, o que não abona muito a favor da confiança que os responsáveis devem proporcionar aos destinatários do aparelho de administração da justiça, particularmente da polícia

também assim o Ministro Alberto Costa, mudando subitamente a opinião sempre reiterada de confiança no trabalho da PJ: de imediato, entre importantes reuniões, apressou-se a vir dizer que o assunto era da estrita competência do Director, mas acrescentando sempre um seboso "que aprovo"

as deciões de administração da justiça não carecem de aprovação política - pelo contrário, os políticos devem intervir para formular políticas, para assegurar a sua execução e para corrigir os desvios; se tudo vai bem a "aprovação" não tem valor acrescentado - embora a forma precipitada e ostensiva com que foi manifestada possa ter reflexos no seguimento de um processo em tramitação judicial, o que é lamentável face ao princípio constitucional da separação de poderes

além de ser arriscado, mesmo do ponto de vista político e diplomático

ora, e se efectivamente o inspector não fez as declarações que serviram de pretexto à decisão de demissão ?

importa no entanto fazer uma actualização: entretanto, o Director veio fundamentar a sua decisão na inoportunidade das declarações do inspector, adicionando que devido a pressões o inspector disse mais do que devia

é de registar a preocupação de corrigir o erro inicial, afinal a motivação do Director já não se resume a "razões óbvias"

sendo assim, o seu acto acto está justificado - e é por esse julgamento que o Director será responsabilizado

se corresponder à verdade que o inspector fez tais declarações, independentemente de da sua justeza ou correcção, há margem para o Director determinar o seu afastamento das funções que desempenhava e do caso sob investigação, legitimando a decisão

mas errou na apreciação se tudo afinal foi manobra para "vender" audiências por parte da comunicação social inglesa

e já afastando por decoro e benefício da dúvida que o objectivo ou o resultado seja o de alterar o curso das investigações para prejudicar a descoberta da verdade

disso nem é bom desconfiar