2007-03-21

O Tempo e o Mar

a seu modo, António Neves, presidente da Junta de Freguesia da Costa de Caparica, exprime o conceito inverso ao que Natália Correia invoca num verso fervorso de um poema ao jeito de oração: "Creio que tudo é eterno num segundo"

é a compressão do tempo por oposição à elasticidade do tempo - no caso da nossa saudosa poetisa, a vivência intensa de cada segundo poderia experimentar todos os sabores da eternidade, nenhum segundo deveria então ser desperdiçado pois contém a variedade e a riqueza da totalidade da vida; já para o autarca em apreço, na sofreguidão do pragmatismo de quem se vê a braços com o poder destruidor dos elementos, bem poderiam ser abolidos os segundos que faltam par o fim da época de marés vivas

enfim, há muitos fins de mês que são igualmente ansiados, também por razões de liquidez - é o que sucede quando ainda sobra mês no momento em que o ordenado acaba

menos poético, desta vez, o mar avançou sobre as protecções, arrastou as pedras com que os homens o pretendem confinar e galgou o paredeão das praias da Costa de Caparica, causando alguns estragos em vários parques de campismo

registe-se que os campistas são em rigor uma espécie muito particular de campistas, afinal residentes disfarçados de campistas em segundas habitações à beira-mar, em abusiva utilização privada de espaços e recursos públicos

mas voltando ao mar, o mencionado presidente da Junta jametinhadito, na rádio, que "o objectivo é chegar ao final do mês de Março o mais depressa possível para começarem as obras de reposição do paredão" !!!

é um objectivo realista e, em princípio, exequível: se a eternidade de Natália Correia cabe num segundo, certamente um mês ou o que dele resta também poderá caber em pouco tempo

observacões são bem vindas


PS: já agora, ao jeito de homenagem, também à fé, à Primavera e à poesia, que inclui a fraternidade, a amizade e o amor, cá vai o poema:

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Amén.

Natália Correia

1 comentário:

Júlio Pêgo disse...

O eterno não tem tempo nem vida. Procuramo-nos prolongar para além da morte, porque esta é a única certeza do homem. A angústia da sua inevitabilidade atira-nos o deixar um rasto, um filho, uma árvore plantada, o escrever um livro, criar coisas, arte, ciência, técnica, na luta contra o esquecimento...
Como nada é eterno ( nem o nosso planeta), há outra dimensão alheia ao tempo : o espaço paixão.
Júlio Pêgo