2006-07-13

o contador de gaivotas

(Donde sopra esta brisa assim e quente que me segreda aos ouvidos?)

Ofício difícil, este de vaguear pela praia.
Aceitei uma vaga azul,
a sul
do paralelo de Mú.
Faço-o com empenho,
mas não é fácil.
Sem horários,
o tempo é tecido nas marés,
pela dança do sol com a lua.
O recenseamento das gaivotas
é registado com rigor no quadro da areia da praia.
Mas isso tem os seus preceitos e não pode ser em qualquer sítio.
Tem que ser naquela zona onde o mar vem ler.
Desconheço o que acontece depois,
mas seguramente o mar guardará tudo na memória
em água e sal
para eterna conservação.
Tenho ainda outra missão
e dela só posso falar muito genericamente
por causa do segredo profissional.
Guardo pares de pegadas
deixadas ali muito paralelamente
na areia molhada de quando a maré se agacha.
A seguir o mar, na sua regularidade, recolhe-as e, depois de tratada a informação, permite a leitura aos interessados.
É por isso que os amantes procuram a beira-mar,
sobretudo naquela hora mágica que antecede o crepúsculo.
E quando dizem “amo-te” é porque se asseguraram
que isso está escrito lá ao fundo,
na horizontal do mar,
só para quem sabe ler na água.

Gregório Salvaterra, contador de gaivotas e poeta público

(transcrito de "Mar Algarvio", Maio 2006, CCDRAlgarve e Município de Portimão


observacoes sao bem vindas

1 comentário:

Anónimo disse...

A propósito de comentários, reparei para minha surpresa que uma resposta que eu tinha deixado relativamente a um texto sobre gaivotas no seu blogue não ficou registada. Porquê, não entendo. Aquilo que lhe dizia, se bem me lembro, é que tinha estado a ler com interesse o texto e que, ao chegar ao fim, quando reparei que era da autoria de uma outra pessoa, salvo erro de Portimão, fiquei a perguntar a mim próprio por que razão o António não escreveu um texto daqueles. Como sabe, basta olhar fixamente as gaivotas, trazer uma delas imaginativamente até ao pé de si e pô-la a escrever com o bico, como sua fiel secretária (segredária, como Camões gostava de insinuar). Foi mais ou menos isto o que escrevi.

JMCO