2005-01-29

a título de exemplo

os títulos seriam fonte segura para matéria prima do ditos: muitas vezes generosos, sempre feitos de palavras, às vezes engraçados, com efeitos, enfeites, síntese de sínteses, trocadilhos, trocados, truncados, etc.

mas falta-lhes a autoria concreta, individualizada, nominal, são resultado de inspirações anónimas, selectas ou secretas, decididas no colectivo, à pressa, com a cabeça noutro lugar que o dos autores das peças que titulam, enredados em contas de chamariz, ganham mesmo quando acertam ao lado, vulgares, hipócritas, malvados, insidiosos, erróneos, erráticos, com segundas, terceiras e sabe-se lá que mais intenções

e no entanto, raramente ingénuos, deslavados, ineficazes, desatentos, descuidados, inocentes

no publico.pt de hoje caiu a tentação da nódoa, talvez sem maldade, só mesmo por sentido comerciante, fluorescente, como os vendedores de banha da cobra se põem em bicos de pés para gritar mais alto que os demais ou os montristas iluminam os objectos expostos de forma apelativa, com os podres à sombra e também o preço, realçando a todo o custo tudo que possa prender a atenção do eventual comprador, a ver se entra na loja e leva algo

diz então o título: “António Vitorino admite vir um dia a candidatar-se à liderança do PS”

o texto seguinte ainda busca e rebusca à procura de assunto para a venda de papel de jornal mas, espremido, não tem nada: a mensagem seria a aplicável a qualquer cidadão português, todos podem vir um dia a ser líder partidário, presidente da República, admirador de aves ou qualquer outra coisa

é claro que este exemplo é muito suave, relativo e encaixa-se perfeitamente no jargão e idiossincrasias da imprensa - tenta apenas jogar com a actual liderança do PS, em plena luta eleitoral, ao jeito de provocação, crítica e confusão, nem sempre só para vender mais papel de jornal

tem havido exemplos bem piores; em tempos, véspera de eleições, o Correio da Manha (sim, o til caiu de propósito) transformou em título toda a primeira página e dizia: vamos todos votar no primeiro – o boletim de voto do dia seguinte era encabeçado por Soares Carneiro

como ainda não havia blogues, lá foi carta ou fax ao director, aliás choveram críticas e com desavergonhada falsa fé o jornal explicava que cada eleitor vota no candidato que considera primeiro – talvez tenha havido remoque da Comissão Nacional de Eleições e umas reprimendas mas o efeito cumpriu-se (embora não o suficiente para atingir o resultado pretendido) e as intenções ficaram à vista e clara luz do dia

outro caso, menos político mas não menos grave, foi o de um Diário de Notícias que alardeava “cadeiras de bebé incendiárias”, referindo-se a um estudo das características mais ou menos inflamáveis dos tecidos e outros materiais de puericultura

e voltamos aos títulos da imprensa: às vezes inflamados, quase sempre espelhando almas, nem sempre merecem troco



observacoes sao benvindas

1 comentário:

Anónimo disse...

pelos vistos o abuso deu frutos, a revista focus de ontem acusa-o de deselegância por ter manifestado disponibilidade para a liderança, o que não foi referido