2015-01-22

liberdade de expressão, poder insindicável e suplícios a cidadãos


próprio de sistemas totalitários e ditaduras torcionárias, o suplício das chibatadas referencia-se na barbárie medieval do feudalismo e do absolutismo não iluminado, quer na componente de castigo corporal quer na vertente de humilhação do visado, quer na ostentação pública de poderio do soberano algoz - incluindo a misericórdia (o poder de graça, no direito medieval português) de fazer rever ou anular a sentença, de preferência antes ou durante a execução da ignominiosa pena

no elenco de punições das Ordenações Filipinas, talvez menos bárbaras que as Afonsinas e as Manuelinas, ainda constava o recurso ao açoite, geralmente reservado às classes mais baixas (os nobres iam para o degredo; aliás, já na antiguidade, o chicoteamento era muitas vezes reservado aos escravos, aos estrangeiros, aos cristãos, etc) e muitas vezes em substituição ou complemento de penas pecuniárias ou dívidas não pagas e, sim, quase sempre com carácter público, pela exemplaridade (e gáudio) da populaça e para manchar o visado, pela exposição vexatória, além da demonstração expressa do poder do soberano ou do carrasco seu representante

há até um episódio, relatado por José Hermano Saraiva, em que um desertor é condenado (talvez pela justiça militar) a cem ou duzentas chibatadas e, à semelhança do actual tenebroso caso da Arábia Saudita, teve que se interromper a tortura, pela evidência da desproporção, uma vez que a aplicação integral da punição implicaria o massacre do desgraçado até à morte - e ainda ficaria a dever chibatadas...

já na segunda metade do século XVIII, o milanês Beccaria (marquês de, pois chamava-se Cesare Bonesana) propôs, numa obra fundadora - o «Tratado dos delitos e das penas», salvo erro - a abolição das penas corporais (embora a prisão, enquanto privação física da liberdade, também seja "corporal") como as mutilações e os suplícios, incluindo chibatadas e chicotadas, também recursos para "arrancar" confissões ou para agravar a pena de morte (que podia ser "cruel" ou, ainda pior, "atroz", a que podia acrescer a proibição de sepultura, confisco dos bens - os herdeiros eram deserdados - e a má fama sobre a memória do visado ou da sua família), porém crescentemente consideradas pura barbárie e, segundo a cuidadosa fundamentação oferecida, contraproducente à realização da justiça - os inocentes mais fracos confessavam e os culpados mais fortes resistiam... como aliás seria de prever

as cuidadas e, à luz da civilização, da inteligência e do humanismo, irrebatíveis teorias de Beccaria fizeram escola, desde logo junto dos vultos intelectuais franceses da época (entre outros, Voltaire, Hume e Diderot - curiosamente, o da liberdade de imprensa - "Sur la liberté de la presse" - e da "Lettre sur le commerce de la librairie", além, é claro, da verdadeira e primeira Enciclopédia!) e depois em diversas alterações da legislação (e do movimento codificador) penal de diversos países europeus - embora a Prússia, a Rússia e outros Estados tivessem mantido o suplício até bastante mais tarde; o Brasil, por exemplo, até 1910! e ainda hoje subsiste em demasiados países no mundo, em vários PAOLP ainda subsistia na legislação até quase ao fim do século XX, casos da Guiné e de Moçambique, embora desconheça a sua aplicação

em Portugal o primeiro Código Penal, de 1852, já não contemplava castigos corporais, como as ditas chicotadas ou chibatadas, embora mantivesse o degredo e os trabalhos forçados, creio que até 1954, se bem que por decreto de 1932 se eliminasse o envio de condenados para Angola, mas bem sabemos que havia funcionários públicos ou militares que iam lá parar por... castigo!

aliás, o degredo (com ou sem trabalhos forçados) é muito curioso, pelo utilitarismo do povoamento, primeiro das terras recônditas (os coutos) de Portugal, depois de 1415 (Ceuta) nas possessões e colónias sucessivamente encontradas e exploradas, também com multifuncionalidade: punição física (afastamento) e exemplar (visibilidade) mais o respectivo aproveitamento económico, seja nas galés seja nos povoamentos e actividades empreendidas no ultramar português ou mesmo em "serviços" arriscados como a espionagem, com clara manifestação do poderio régio, incluindo a possibilidade de recuperação dos direitos (patrimoniais, nomeadamente , pois o degredado poderia eventualmente fazer fortuna e talvez regressar rico!) e da honra - havia inúmeras súplicas, havendo registo de muitos casos em que foram atendidas, sobretudo passado algum tempo e bons serviços

e, glória, além de se ter tentado uns anos antes, em projecto de Comissão anteriormente nomeada para a revisão das leis penais, certo é que com o Código Penal de 1867 Portugal foi o primeiro Estado a abolir a pena de morte, para crimes civis - em absoluto só em 1911, creio

oxalá este lamentável caso seja rapidamente revertido em justiça e possa suscitar celeuma suficiente - além do indispensável debate sobre a liberdade de expressão, que urge consagrar universalmente na prática pois já consta (desde 1948!) na Declaração Universal dos Direitos Humanos - para acabar com as práticas de tortura e barbárie a coberto de leis penais inconcebíveis no século XXI em qualquer parte do mundo, a bem da civilização e da humanidade!!!


Artigo 19.º * 
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.


Preâmbulo 

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; 

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem conduziram a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do homem;








observações são bem vindas, obrigado ;_)))

liberdade de expressão: nem mas nem meio mas


caro professor, muito respeitosamente, a decisão de suspender a revista em apreço, conforme noticiado pelo jornal Público, vincula exclusivamente quem a tomou e de modo algum pode, em boa fé, ser atribuída ao Primeiro-Ministro, parecendo a associação ilógica e forçada

mas atenção, a manifestação de Paris realizou-se como homenagem às vítimas indefesas de execuções cobardes, em nada comparável com um problema do foro académico, uma quezília ligeira entre profissionais universitários que obviamente não beliscou ninguém

já agora, entretanto já foi alterada tal decisão pois a dita revista está normalmente à venda, com as fotografias em questão que reproduzem obscenidades em várias paredes e a que a decisão deu inusitada projecção - infelizmente vê-se muito pior em muros, paredes e transportes públicos no mundo inteiro...

por fim, "notícias ao minuto" é o quê? os professores costumam ser exigentes, consigo próprios e com os seus alunos, com as citações, cuja falta de credibilidade pode inquinar uma tese...
saudações muito cordiais


ps - publica-se este jametinhasdito de ontem, porque entretanto o comentário desapareceu...




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